
Mercedes Sosa, junto com Atahualpa Yupanki, é a face mais conhecida da riquíssima música folclórica argentina, que floresce na paisagem árida da pré-cordilheira dos Andes.
Graças a ela, nós brasileiros pudemos tomar contato com algumas preciosidades do folclore argentino, chileno, boliviano, peruano. Com vigor, talento e coragem, Mercedes desbravou a selva da ignorância e do preconceito até hoje existentes no Brasil em relação à América hispânica. Com sua voz forte, ao som do inseparável bombo legüero, pregava com convicção religiosa um continente com "fronteras de flores y fuziles de mentira".
O primeiro contato com a zamba, a baguala, a chacarera e outros ritmos da Argentina criolla, de raízes indígenas, foi uma porrada na minha cultura musical, até então limitada à MPB, ao rock e aos clássicos.
Em dezembro de 1971, aos 21 anos, parti para uma viagem pela América do Sul, junto com alguns colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nunca havia atravessado o rio Uruguai.
A primeira parada foi em Salta, cidade do norte argentino, junto à Cordilheira. Nos hospedamos na casa de Manuel Castilla, um dos mais importantes poetas e compositores do país. Era o período das festas de fim de ano, e passávamos os dias e as noites bebendo vinho, mascando folhas de coca e ouvindo os grupos musicais da cidade. Um banho de ritmos, harmonias e instrumentos musicais criados pelos incas, como a quena e o charango.
Desde então a música folclórica argentina ganhou um lugar de honra na minha alma. Tive a felicidade de ouvir Mercedes Sosa em shows inesquecíveis em Porto Alegre e no Memorial da América Latina, em São Paulo, assim como Atauhalpa Yupanki e outros mestres. Uma das maiores emoções que já tive foi assistir a Misa Criolla interpretada por seu compositor, Ariel Ramírez, com um coral de crianças vindas da Argentina. Um dos meus discos prediletos é Cantata Sudamericana, outra obra de Ramírez em parceria com Felix Luna, na voz de Mercedes Sosa.
Buenos Aires é linda, cosmopolita, quase européia. Impossível não gostar da cidade. Mas se me perguntarem para que região da Argentina eu mais gostaria de ir, respondo: Santiago del Estero, Tucumán, Salta, Jujuy. Lá sim bate forte, ao ritmo do bombo legüero, o coração argentino.
"Si la muerte me lleva
no será para siempre
yo revivo en mis coplas
para ustedes, para ustedes"
Da música Alcen La Bandera, de Ariel Ramirez e Félix Luna
Álbum Cantata Sudamericana