quarta-feira, 28 de agosto de 2019

PRIVILÉGIO PARA POUCOS



As margens dessas lagoas, em Tramandaí e Imbé, deveriam ter sido preservadas, para uso e deleite públicos. 
Como nunca houve qualquer preocupação de prefeitos, vereadores e da população para isso, acabaram sendo um privilégio de poucos, que construíram suas casas com fundos (e esgoto) para este cenário tão lindo. 
Restaram, para ter acesso à beira das lagoas, alguns fins de rua, com muros altos de ambos os lados.
O mesmo ocorre em muitas (quase todas) cidades do litoral gaúcho e catarinense, onde as construções avançam até a beira das lagoas, dos rios e do mar.



sexta-feira, 23 de agosto de 2019

MORAR NA PRAIA






Muitas vezes amigos que moram em Porto Alegre me perguntam como é viver no Litoral. Às vezes são mais diretos: "como é que você aguenta morar na praia?".
Para eles, acostumados com a cidade grande - vida cultural intensa, bares,  restaurantes, shoppings, amigos e familiares por perto e, claro, o brique da Redenção aos domingos -, o litoral gaúcho é quase uma Sibéria: ventos congelantes,  frio, umidade e solidão no inverno, vento nordestão, mar gelado cor de chocolate no verão. Nas férias, eles correm para Santa Catarina, com suas belas praias de mar transparente.
Quando eu não tenho tempo ou saco para dar explicações, dou uma resposta curta: "depois de aprender gaivotês e quero-querês fica suportável". Mas em geral eu sou sincero.
A primeira coisa que esclareço é sobre a temperatura. No verão é sempre dois ou mais graus mais baixa, mas no inverno ocorre o contrário: a água do mar absorve o frio, e os termômetros marcam sempre dois ou mais graus acima do que é registrado na capital. Geada ou neve, jamais. 
Sim, tem vento e chuva, a grama encharca. Mas pelo menos no Imbé, que por enquanto só tem um edifício, o sol, quando há, seca e aquece. 
O Litoral é a região com maior crescimento demográfico no Rio Grande do Sul. A maioria dos migrantes é composta de aposentados. A maior vantagem é econômica. Os imóveis custam menos e tudo é mais barato: um botijão de gás em Porto Alegre custa 84 reais. Em Imbé, de 64 a 70 reais. Um bom restaurante self service,  com bufê livre, cobra cerca de 15 reais. Há bons supermercados e mercadinhos, com produtos de qualidade a preços razoáveis - o poder aquisitivo dos clientes  contém a ganância dos comerciantes.
O segundo fator é a saúde pública. Os postos de saúde e hospitais da região solucionam até 80 por cento dos problemas dos moradores. Se for algo mais complicado (exames, consultas a especialistas, intervenções cirúrgicas) os pacientes são mandados em ambulâncias ou vans das prefeituras para hospitais de Porto Alegre, com horário marcado. 
O terceiro é a segurança. Assaltos e arrombamentos são raros. Pode-se caminhar tranquilamente pelas ruas e na beira da praia. As empresas de monitoramento têm uma importante função de prevenção. Paga-se uma mensalidade,  cerca de 120 reais,  mas não chega perto do valor de um condomínio num edifício. 
Acima de tudo está a boa vida do interior. Nada de trânsito caótico, de estresse.  Quando chega o verão, o ritmo aumenta na proporção do aumento da ocupação das casas, e nos finais de ano, no carnaval e nos fins de semana veranistas colorem as ruas e as praias. Mas há lugar para todo mundo, e é a época em que comerciantes faturam e os que querem trabalhar ganham algum dinheiro.
Para quem tem filhos, Imbé conta com uma boa rede de ensino público, estadual e municipal. Se eles gostam de música, podem aprender qualquer instrumento na escola de música do município. O traje oficial por aqui é "à vontade" - abrigo, tênis, bermuda, camiseta. Gravata? Só os pastores...
Dorme-se bem. À noite, o silêncio só é interrompido por algum carro ou moto. As pessoas se conhecem,   conversam. A praia fica logo ali, o ar é puro, e não custa nada. 
E, quando o tédio e a solidão começam a bater, é só pegar a estrada para rever amigos, fazer compras, comer num bom restaurante, ver um show ou um filme  e... voltar. 




De vez em quando equipes da prefeitura cortam a grama, limpam as sarjetas e pintam os meios-fios. O lixo é recolhido diariamente, sete dias por semana 



Os quiosques da avenida Mariluz




As belas paisagens das lagoas 






O DESCANSO DO LOBO MARINHO



A jornada desde a Antártida é longa, ainda falta muito para chegar a águas menos frias, e o abrigo mais próximo fica a 100 quilômetros, na ilha dos Lobos, em Torres. 
Exausto, este lobo marinho foi até a praia, em Mariluz, para descansar. Ele ficou três dias imóvel, e depois de recuperar as energias seguiu viagem.
Os moradores do litoral gaúcho já sabem: não se deve mexer com eles, nem dar água ou alimento. Tudo que precisam é de sossego.



domingo, 18 de agosto de 2019

A GUERRA DO PESCADO




De 1961 a 1963 o Brasil e a França estiveram em guerra. Foi a chamada Guerra da Lagosta, causada pela pesca do crustáceo na costa do nordeste brasileiro por barcos franceses. O governo brasileiro reagiu com energia. O presidente Jânio Quadros chegou a ordenar a invasão e a anexação da Guiana francesa, a França mandou navios de guerra para proteger eu território, mas Jânio renunciou antes disso e o assunto foi resolvido sem que nenhum tiro ser disparado. Cinco décadas e meia depois, Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão numa guerra pelo pescado gaúcho. 
No final de 2018, uma lei estadual determinou que os barcos pesqueiros só podem atuar a 12 milhas náuticas (cerca de 22 quilômetros) do litoral gaúcho, com o objetivo de impedir a pesca de arrasto - navegando perto da costa os barcos arrastam redes no fundo do mar, retirando peixes de todo tamanho e jogando fora, mortos, aqueles que não têm valor comercial. É um método predatório, que vinha reduzindo a quantidade e a variedade de peixes.
A indústria pesqueira catarinense quer derrubar a lei na Justiça, e apela por apoio do governo federal, alegando que ela fere de morte o setor pesqueiro do estado. Não é para menos: Santa Catarina produz a metade do peixe industrializado no Brasil. Foram 64 toneladas só no primeiro semestre do ano passado. Deste total, 58% foram pescados por barcos saídos de portos localizados em toda a costa catarinense, de São Francisco do Sul a Passo de Torres, para lançar suas redes em boa parte do litoral brasileiro e também no Uruguai.  Cerca de 25 mil pessoas trabalham na pesca artesanal, nos barcos e nas fábricas.
Os catarinenses não costumam respeitar as normas legais de proteção à fauna marítima. Mesmo quando o limite para pesca era de três milhas da costa, os barcos faziam arrastos junto à costa gaúcha, e as apreensões eram raras devido à falta de fiscalização. Pescadores artesanais e os donos dos poucos barcos de pesca que restaram na colônia de Pesca de Tramandaí relatam que nestes poucos meses de vigência da lei já é possível notar um aumento nos cardumes da região. Mas seja qual for o limite imposto, o importante é que haja um controle permanente da atividade pesqueira.




sábado, 10 de agosto de 2019

AS HISTÓRIAS DO SEU VILI



Nos almoços de domingo lá em casa era assim: a criançada (mesmo que as crianças tivessem mais de 20 anos) não falava.  Depois da oração (um Pai Nosso) nos dedicávamos a degustar a galinhada, o churrasco. E escutar as histórias do pai. 
Ele adorava descrever as pescarias, as caçadas, as peripécias de sua vida de comerciante e representante comercial. E contar piadas - que sempre acabavam em gargalhadas.

"Na nossa casa de comércio quase todos os dias chegava uma senhora idosa, que percorria as prateleiras examinando os produtos.  Perguntava os preços e exclamava: 'que baraaaato! que baraaaato! ' 
E saía sem comprar nada."

"Tinha um colono gostava de comer ovos crus. Batia na casca, abria e jogava goela abaixo. Um dia ele não se deu conta de que o ovo estava com um pinto dentro, e acabou enfiando na boca. O pinto mal teve tempo de piar. Ele engoliu e disse, baixinho: 'tarde piaste'.

Num fim de tarde, pouco depois do movimento pela Legalidade, que garantiu a posse de João Goulart na presidência da República, os fregueses comentavam a bravura do governador Leonel Brizola, que entrincheirado no Palácio Piratini enfrentou o movimento que pretendia impedir o cunhado de tomar posse. Um gringo, depois de um gole de pinga, sentenciou:
- Xe nom foxe o Brijola, ixto aqui ia virar numa dentadura desgraxada.

In memoriam de Vilibaldo Heberle, o seu Vili, precocemente falecido aos 63 anos, em 1974.
Jeito durão, coração de manteiga.
Saudades, querido pai.

Foto: Vilibaldo na sua casa de Ipanema, com o nosso cachorro policial, o liebe Mutli.








quarta-feira, 7 de agosto de 2019

domingo, 4 de agosto de 2019

DIVINOS MÚSICOS



Por oito meses vaguei com meu violão por cidades da América do Sul. Sobrevivi com as moedas e notas que me davam para cantar. Vem daí a minha simpatia e solidariedade para com os músicos - não os que ganham fortunas pelos shows e se deslocam pelo país e pelo mundo em seus jatinhos, mas os que se apresentam nas praças, bares, hotéis. Me encanta vê-los cantar e tocar, sempre sou o puxador dos aplausos. Quando é possível bato um papo com eles.  Ganhar a vida com música é divino.  





Estes jovens tocavam na frente do parque Tívoli, em Copenhagen, Dinamarca. Me chamou a atenção seus trajes de índios norte-americanos (Comanches? Apaches?). Mas a música que saía dos alto - falantes era andina. 
Me contaram serem peruanos, mas os trajes tradicionais dos Andes já estavam manjados demais na Europa...



Embarquei num ônibus para ir ao trabalho, em Porto Alegre, e quatro bolivianos encantavam os passageiros com suas quenas e charangos. No fim da apresentação venderam o seu CD. É um dos melhores de música andina da minha discoteca. 

Denise Bueno da Luz chega com sua caminhonete e, auxiliada pela mãe, descarrega e monta os equipamentos. Sua voz é finadíssima, acompanhada por violão ou teclados. O repertório, vastíssimo, é adequado ao público: pode ser de música intimista em pubs e bares ou sertanejos/boleros/tangos nos  bailões dos salões dos hotéis. Ela mora em Gravatal e se apresenta em toda a região sul de Santa Catarina. 
Numa noite, depois do baile, restaram no bar do hotel Termas, em Gravatal,  apenas três casais. Aí ela cantou o que mais gosta: Eric Clapton, Neil Young, Beatles,  rock e MPB. 
Um show inesquecível.