domingo, 15 de setembro de 2013

BARBOSA LESSA




Na Semana Farroupilha, jorram nas tevês, rádios e jornais declarações de um tal de "orgulho de ser gaúcho".  Quase sempre exageradas, forçadas. Algumas, ridículas.
Melhor seria homenagear gaúchos notáveis como Carlos Barbosa Lessa, que aos 19 anos, junto com Paixão Côrtes e outros guris do interior desgarrados na capital, fundou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas.
Pesquisador infatigável das tradições  do Rio Grande, escritor  e compositor de Negrinho do Pastoreiro, Chimarrita e várias outras canções inesquecíveis do folclore gaúcho, era avesso a fanfarronadas. Modesto, achava graça quando os amigos o louvavam como uma das mais importantes personalidades da história do Rio Grande do Sul.


Barbosa Lessa com o jornalista e poeta José Otávio (Dedé) Ferlauto num domingo ensolarado do outono de 1996 em seu sítio no interior de Camaquã, onde passou os últimos anos de sua vida.

O SÍTIO DA HOSPITALIDADE

Barbosa Lessa nasceu em Piratini, iniciou seus estudos no colégio Gonzaga, em Pelotas, e, adolescente, foi para Porto Alegre, onde terminou o segundo grau no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e depois se formou em Direito na Urgs. Desgarrado na capital, iniciou, com alguns amigos também vindos do interior como Paixão Cortes e Glaucus Saraiva, uma revolução para resgatar as tradições gaúchas. Criou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, compôs obras-primas como Negrinho do Pastoreio (qual é o gaúcho que não se emociona cada vez que ouve?), e em 50 livros divulgou o que se chama de cultura gaúcha - seu folclore, suas danças, a história de sua gente. 
Mais de 40 anos depois, consagrado como escritor, folclorista, compositor,publicitário e jornalista, Lessa se aposentou e fez o movimento inverso. Deixou as cidades grandes (São Paulo, e depois Porto Alegre) para morar, até morrer, em 2002, no seu sítio a 30 quilômetros de Camaquã,. De lá saía um sábado por mês para prosear com os amigos na Feira de Artesãos do Parque Farroupilha, em Porto Alegre, e vender erva-mate e travesseiros de capim perfumado produzidos por ele e a mulher Nilza. Nestes 15 anos de exílio voluntário, o sítio do casal se tornou um santuário ecológico onde todos os visitantes eram recebidos com a hospitalidade das pessoas do interior. 


A casa simples, de madeira, fica à beira de um arroio, cercada de mato. Ali, respirando ar puro, bebendo água de uma fonte, o poeta e escritor encontrou a paz que tanto procurava.



Nesta cachoeira do arroio Duro, ao lado da casa de Barbosa Lessa, foram gravadas cenas do filme Netto Perde Sua Alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza



Negrinho do Pastoreio
Acendo essa vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi
Negrinho do pastoreio
Traz a mim o meu rincão
Eu te acendo essa velinha
Nela está meu coração
Quero rever o meu pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
Brincando na água da sanga
Quero trotear nas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade
O morro de mata-virgem era o cenário descortinado por Barbosa Lessa da janela de seu "escritório" - um quartinho de madeira construído próximo a casa principal, mobiliado apenas com uma mesa e uma cadeira, cercados de livros por todos os lados. Da mata se ouvia os gritos dos bugios, principalmente quando ouviam vozes de visitantes. "Estão saudando vocês", comentou, rindo, ao chegarmos.
As colinas do interior de Camaquã, onde Lessa comprou um sítio após a aposentadoria, em 1987

A sensação esquisita

BARBOSA LESSA*
Há 10 anos viramos as costas à Capital, eu e minha mulher, e nos enfiamos na mata-virgem da serra de Camaquã. No princípio tudo era quase novidade e nos sentimos muito bem, principalmente depois que começamos a produzir plantas medicinais e erva-mate para a Cooperativa Coolméia. A safra de erva era muito animada, com a peonada se agitando no sapeco à beira do barbaquá. Mas depois as coisas foram se complicando, de ano para ano, e começamos a sentir na própria carne o tal êxodo rural. Nosso vizinho menos longe, o Seu Alfredo, foi o primeiro a se mandar, nem sei bem pra onde. Também a casa do Seu Leco, o outro vizinho, virou tapera completa. Foram escasseando e desaparecendo os ajudantes ervateiros. Hoje só temos como peão o Altamiro, e olhe lá!, não sabemos se amanhã ainda estará conosco. Há vezes em que dou um grito na mataria e não encontro ninguém para me responder.
Mas existe uma outra face da moeda, que mantém nossa casa num astral sempre elevado. Viver na mata-virgem é algo que lava a alma. Cada vez que o sol nasce, o coração se reaquece. Não tem ninguém para nos encher os ouvidos se queixando da crise. O que nos enche os ouvidos é o gorjeio dos sabiás, o misterioso solfejar do urutau, a orquestração dos bugios roncando, o tipo de uivar do mão-pelada, até mesmo o grasnido do tucano, que aqui é uma ave em extinção.
Um dia desses, de manhãzinha, tive uma surpresa. Ao abrir as venezianas da janela do quarto, deparei-me, a não mais que uns cinco metros, com dois tucanos placidamente pousados nos ramos do velho cambará que nos dá sombra. Logo chamei a Nilza, para que também ela pudesse ver de tão perto esses dois seres habitualmente muito ariscos. Os enormes e coloridos bicos reluziam ao sol!
Eles também nos fitavam, meio sarapantados, com profunda curiosidade. E tive então uma esquisita sensação. Não estou querendo exagerar, agora, fazendo poetice ou vã filosofia. Mas acreditem, que foi verdade: meio constrangido, tive a nítida idéia de que os dois tucanos estavam nos olhando com a natural curiosidade de quem examina, enquanto ainda é tempo, um pobre animal em extinção...
* Texto publicado no periódico Taí, reproduzido na Revista ZH do jornal Zero Hora em 18/5/1997

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O ASTRO REI SE PERDE NA NEBLINA

 

O barco pesqueiro Astro Rei se perdeu na neblina e acabou encalhado a 500 metros da barra do rio Tramandaí (ao fundo). Tratores o puxaram com cabos de aço até a praia do Imbé. 


 
Durante dois dias, o esforço foi colocar o barco de 30 toneladas sobre dois reboques.



Terceiro dia:  puxado até a beira do rio Tramandaí, o Astro Rei, depois dos reparos, poderá voltar a navegar.





PRIMAVERA


Lord curte a flor de hibisco

terça-feira, 10 de setembro de 2013

QUEM NÃO PERGUNTA SE TRUMBICA


Saber perguntar é um atributo indispensável a um bom repórter. Por melhor que seja o seu texto, maior que seja o conhecimento do assunto e a coragem de encarar desafios, é pelas perguntas, feitas no momento e na forma certa, que ele vai tirar dos entrevistados a matéria-prima para uma boa reportagem.
Não é por nada que Marília Gabriela tem dois programas de entrevistas, e em emissoras diferentes. Ela olha nos olhos do(a) convidado(a) e, sorrindo docemente, dispara as perguntas mais desconcertantes. Ele (ela) acaba dizendo o que não queria.
Um bom repórter desenvolve a sua própria  técnica de colocar o entrevistado contra a parede. A repórter Ana Maria Magalhães, a Ana Terra, que na década de 80 trabalhava da RBSTV (antes de migrar para São Paulo) era simples e direta. A ponto de um governador gaúcho da época mandar um recado para a direção da empresa: "por favor, não mandem aquela menina me entrevistar"... Não foi atendido, coitado.
Marques Leonam Borges da Cunha, um dos melhores repórteres de jornal do Rio Grande do Sul,  tinha outra estratégia. Começava falando no tempo, na saúde, e aos poucos ia cercando a sua presa. Quando dava o bote, ela já estava sem forças para reagir. Entregava o jogo.
Carlos Wagner, outro ícone da reportagem gaúcha, tem uma enorme facilidade de estabelecer laços de camaradagem com os seus entrevistados. Quando eles se dão conta,  disseram bem mais do que deviam.  Os dois repórteres sabem muito bem o que querem. Só esperam o momento e o jeito certo de perguntar.
Há também aqueles entrevistados tremendamente habilidosos na arte de escapar das armadilhas e virar o jogo a seu favor. O mestre deles foi Leonel Brizola. Cada entrevista acabava se tornando um show onde ele, e só ele, brilhava. Na tevê, no rádio ou no jornal, era impossível colocá-lo em contradições, fazê-lo escorregar nas cascas de banana. As coletivas acabavam invariavelmente com os jornalistas boquiabertos, ouvindo-o sem coragem de interromper as suas frases de efeito.
Mas nesses últimos tempos os repórteres têm facilitado a vida dos entrevistados. Políticos, empresários, advogados e bandidos têm dito o que querem, saído incólumes das mais absurdas situações. Recentemente o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi entrevistado por um grupo de jornalistas do Rio e de São Paulo num importante programa de uma emissora de televisão em rede nacional. Às voltas com problemas e denúncias de todo tipo, numa cidade conflituada, seria um prato cheio para bons entrevistadores. Mas o prefeito, completamente à vontade, tirou de letra todos os questionamentos. Chegou a se dar ao luxo de retrucar, ao fim de uma pergunta feita de forma confusa e tímida: "Mas o que é mesmo que o senhor quer saber?"
Estão fazendo falta bons entrevistadores entre os jovens jornalistas brasileiros.







UM DIA DE FOG, UM DIA DE SOL



Esta imagem é da beira-mar da praia do Imbé, às quatro e meia da tarde de 9 de setembro de 2013. Enquanto no Litoral a paisagem estava imersa em neblina, no resto do Rio Grande do Sul havia sol e pouca umidade.



No dia seguinte,  sol e calor.