sexta-feira, 13 de outubro de 2017

MONTEIRO LOBATO E A HOMEOPATIA




A homeopatia não é unanimidade. Há os que não se adaptam, até porque o diagnóstico correto depende de uma boa comunicação entre o paciente - que deve expressar com a maior precisão possível o que sente - e o médico, que precisa interpretar os sintomas para receitar o remédio e a dosagem certas. 
O escritor Monteiro Lobato descobriu a homeopatia em 1917 e se tornou um adepto entusiasta dela. 
Nesta carta ao amigo Godofredo Rangel, publicada no livro A Barca de Gleyre, Lobato conta como a descoberta aconteceu:



Fazenda, 3 de março de 1917

Rangel,

A HOMEOPATIA!... Eu pensava como você; ou pior ainda, não me dava ao trabalho de pensar coisa nenhuma a respeito. Não acreditava nem descria – não pensava no assunto e pronto. Mas um dia sobreveio o “estalo” e fiquei tonto. O meu Edgarzinho apareceu com uma doença  no nariz. Isso na fazenda. Ele tinha 2 anos. Corro a Taubaté. Consulto os médicos locais. “O melhor é ver um especialista em São Paulo.” Vamos a São Paulo. “ Quem é o baita para narizes?” J.J. da Nova. Vou ao Nova. Examina, cheira, fuça e vem com um grego: “Rinite atrófica. Só pode sarar lá pelos 18, 20 anos – mas vá fazendo umas insuflações com isso” e deu uma droga e um insuflador. Voltamos para Taubaté, muito desapontados. Dezoito anos! Mas minha casa lá era defronte à duma prima. Vou vê-la. Tenho de esperar na sala de visitas um quarto de hora. Em cima da mesa redonda está um livro de capa verde. Abro-o. “Bruckner, O Médico Homeopata”. Institivamente procuro a seção Nariz. Leio conjuntos de sintomas. Um deles coincide com os sintomas da rinite do Edgard. Prescrição: “Mercurius”. Entra a prima. Conto o caso do menino e aquele encontro ali. “Vale alguma coisa isto de homeopatia?”, pergunto, cético. E ela: “Experimente. Não custa.” Quando saí passei pela farmácia. “Tem Mercurius?” Tinha. Comprei 5 tostões. “Almeida Cardoso – Rio”. Levo para casa. Falo à Purezinha. Sem fé nenhuma, dou automaticamente os carocinhos ao Edgard, mais do que mandavam as instruções. Cinco em vez de três. Depois, mais cinco. De noite, mais cinco. No dia seguinte, o milagre: todos os sintomas da rinite haviam desaparecido!… Mas sobreviera uma novidade: purgação nos ouvidos. Cheio de confiança, corro à casa da prima, atrás do livro de capa verde. Procuro “Ouvidos” e leio esta maravilha. “Ás vezes sobrevém purgação no ouvido por abuso de Mercurius, e nesse caso o remédio é Sulphur”. Vou voando à farmácia. Compro Sulphur. Mais 500 réis. Dou Sulphur ao Edgard e pronto – sarou do ouvido! Sarou da rinite, sarou de tudo! Preço da cura: 1.000 réis. Pelo alopatia, em troca de não cura: várias consultas médicas, viagem a São Paulo, drogas insuflantes e aparelho insuflador – e a desesperança.
Que fazer depois disso, Rangel, senão mandar vir um livro de capa verde e uma botica com todas as homeopatias do Almeida Cardoso? Cem mil réis custou-me, e desde então curo tudo. Curo tudo em casa e no pessoal da fazenda. Fiquei com fama de mágico. Vem gente dos sítios vizinhos. “Ouvi dizer que o senhor é um bom doutor que cura” – e curo mesmo.
Chega a vir até do município vizinho atrás dos “carocinhos mágicos”…

Lobato



sexta-feira, 6 de outubro de 2017

ABREU E LIMA


ESTA VIDA DARIA UM ROMANCE, UM FILME...






Primeira cena, ou capítulo
Salvador, Bahia, 1817: o jovem capitão de artilharia José Inácio de Abreu e Lima e seu irmão Luís são obrigados a assistir ao fuzilamento do pai, o advogado e ex-sacerdote pernambucano conhecido como "Padre Roma", um dos líderes da revolução que tentara, sem sucesso, libertar o Brasil do domínio português, com a transformação do novo país numa República. A rebelião foi sufocada a um custo de 1.500 mortos e ceca de 800 degredados, em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

- Outubro de 1817: José Inácio e Luís escapam da prisão e embarcaram clandestinamente para Filadélfia, nos Estados Unidos, cidade onde se abrigavam muitos combatentes latinoamericanos pela libertação dos colônias

- 1818: aos 23 anos, Abreu e Lima volta para a América do Sul em busca da realização de seus ideais republicanos. Desembarca em Angustura, cidade da selva venezuelana às margens do rio Orinoco onde Simon Bolívar tinha o seu quartel-general. Tornou-se colaborador do jornal Correo del Orinoco, dos rebeldes bolivarianos. Polemizava com Hipólito José da Costa, que em Londres editava o Correio Braziliense e defendia uma monarquia constitucional para o Brasil e atacava a rebelião nordestina

- Engajado no Estado-Maior do exército de 2 mil homens formado por Bolívar, atravessou a América do Sul, em marchas duríssimas por selvas e montanhas. Lutou na libertação de Nova Granada (Panamá e Colômbia ), do Equador, da Venezuela e do antigo Peru, atuais Peru e Bolívia,  dos espanhóis

- Fez fama de valente, ganhou várias condecorações, foi promovido a general. De temperamento exaltado, desiludido com as disputas políticas que impediam a  concretização do sonho bolivariano da Grã Colômbia, acabou preso por seis meses por ferir um opositor.

1826 - Abreu e Lima dá baixa do exército, e dois anos depois volta a se unir a Bolívar.  Fica junto do líder até a sua morte, por tuberculose em estágio avançado, na cidade colombiana de Santa Marta.

1831 - Expulso da Colômbia pelos novos mandatários do país, Abreu e Lima vai para a Europa e lá conhece D.Pedro I.  Se convence que a monarquia constitucional é o melhor regime para evitar o esfacelamento do Brasil. Vai morar no Rio de Janeiro. No seu jornal, O Raio de Júpiter, passa a defender as mesmas ideias de Hipólito José da Costa que combatera anos antes.

1843 - Desencantado com a corte e cansado das polêmicas em que se  envolveu, volta para Recife, onde funda o jornal A Barca de São Pedro.

1848 - Envolvido na revolta Praieira, é preso por dois anos na ilha de Fernando de Noronha.
Anistiado, continuou polemizando. Por defender a liberdade religiosa, foi atacado pelo clero pernambucano

1869 - Abreu e Lima morre, no dia 8 de março. O bispo de Olinda proibiu que seu corpo fosse enterrado num  campo santo brasileiro. O enterro foi feito no Cemitério dos Ingleses do Recife, debaixo de uma cruz celta.
Mas o general não perdeu sua última batalha:  a repercussão do caso foi tão grande que dois anos depois a administração dos cemitérios públicos foi retirada da igreja.


Dados retirados de um artigo do jornalista e escritor Paulo Santos de Oliveira na Revista da Biblioteca Nacional