sábado, 27 de abril de 2019

VIDEIRAS DE CRISTAL



Demorei quase três meses para ler as 540 páginas do livro Videiras de Cristal. Não que o romance histórico de Luiz Antonio de Assis Brasil sobre os muckers fosse chato, mal escrito. Pelo contrário. Mestre da arte narrativa, Assis Brasil me fez sentir a realidade nua e crua da colônia alemã da região de São Leopoldo da década de 1870. 
Descendente de imigrantes alemães que vieram para o Brasil a partir de 1828, me vi transportado para aqueles tempos em que, abandonados à própria sorte, os colonos sobreviviam do que plantavam, dos animais que criavam e do que caçavam e pescavam. E sofri com isso. De vez quando, dava um tempo, para depois recomeçar.
Os muckers (em alemão, santarrões, falsos religiosos) viviam nos arredores da atual Sapiranga, junto ao morro Ferrabrás. Colonos miseráveis de toda a região - São Leopoldo, Hamburgo Velho, Lomba Grande, Campo Bom-, recorriam a João Jorge Maurer, o wunderdoktor ( doutor maravilha) para curar as suas doenças com chás e compressas. Quase sempre dava certo, e ele não cobrava nada.
Jacobina, a esposa, cuidava da parte espiritual. Paranormal, recitava passagens bíblicas, confortava, animava. Com o tempo, Jacobina se tornou tão importante para eles quanto o doutor. E de todo lado surgiam novos pacientes, em busca de cura para o corpo e o espírito.
Os padres católicos e os pastores luteranos viam seus templos se esvaziarem - e não gostaram nada disso. Lideraram uma campanha para desmoralizar a santarrona e seus seguidores, e tiveram o apoio dos líderes políticos da comunidade. Hostilizados, agredidos e difamados, os muckers se fecharam cada vez mais e, depois de verem cair no vazio apelos às autoridades estaduais e até para o imperador D.Pedro II para que fossem deixados em paz, reagiram atacando seus adversários. Multiplicaram-se as mortes e incêndios de casas. Alarmado, o presidente da Província enviou uma força policial para acabar com o foco de revolta. O final, todos sabemos: afora aqueles que foram presos nas primeiras escaramuças e enviados para Porto Alegre, todos os demais - homens, mulheres e crianças - foram mortos a tiros ou a baioneta, após uma resistência que lembrava a dos paraguaios na recente guerra contra o império brasileiro.
E, depois de fechar o livro, resta a pergunta: por que tanto fanatismo, que leva pessoas pacíficas, ordeiras, ignorantes ou letradas, à desgraça e a morte ?
O que leva alguém a abdicar da razão, do livre arbítrio, para seguir cegamente um líder religioso ou político?





Entardecer visto do alto do morro do Ferrabrás


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