domingo, 21 de junho de 2020

HARE, KRISHNA



Krishna, simplesmente Krishna. Foi assim que ele se apresentou ao chegar ao Arraial da Ajuda, lá na década de 1990. Argentino de Córdoba, quarentão, ele contava que havia herdado imóveis com a morte dos pais, vendera quase todos - "deixei uma casa lá, para voltar um dia" - e saiu a viajar pelo mundo.  
Na Índia, adotou a apelido com que passou a ser chamado. Quando parava mais tempo em algum lugar, exercia a sua profissão de cozinheiro.
A chegada do compatriota excêntrico, cheio de histórias para contar,  causou  nos argentinos do lugar uma vontade irresistível de comer empanadas. Típicas, legítimas empanadas argentinas, preparadas por um chef.
Por casualidade, estávamos passando uma temporada lá, num chalé equipado com fogão, geladeira e panelas, e Krishna se dispôs a prepará-las, desde que eu comprasse os ingredientes. Me deu a lista e fui ao supermercado. Azeite de oliva, farinha, carne moída de primeira, cebola, alho, tudo. Ah, e muita cerveja. 
Com a ajuda da cunhada e amiga  Isabel Lobato, à época casada com o argentino Guili, ele mandou ver.  Foi um sucesso. 
Tempos depois, assim como chegou, Krishna sumiu. 
Deve estar em Córdoba, ou ... por aí.

sábado, 20 de junho de 2020

O ÚLTIMO DIA DE OUTONO






16h 30 min
Barra do rio Tramandaí/RS



sexta-feira, 12 de junho de 2020

INCÊNDIO DAS LOJAS RENNER

A LIÇÃO DE UMA TRAGÉDIA


















Na tarde de 27 de abril de 1976 um incêndio consumiu o  prédio de sete andares das Lojas Renner, na esquina da rua Doutor Flores com a avenida Otávio Rocha, no centro de Porto Alegre. A loja de departamentos, onde se comprava roupas, tecidos, móveis, louças, e eletrodomésticos, tinha também uma concorrida lancheria no último andar. Estava lotada. 
Apesar dos esforços dos bombeiros, 41 pessoas morreram  e 60 foram levadas em estado grave para os hospitais.
As cenas de desespero e horror, com gente pulando pelas janelas, entraram noite adentro, e foram descritas minuto a minuto pelos repórteres da rádio Gaúcha, a bordo de carros equipados com radiotransmissores. A sua maior concorrente, a rádio Guaíba, líder de audiência e prestígio, apesar de estar localizada a menos de um quilômetro do local do incêndio, não tinha estes equipamentos - naquela época não havia celulares e os telefones eram poucos - , e levou um banho de cobertura humilhante. A audiência da Gaúcha foi quase total. 
A lição foi assimilada rapidamente. O departamento de jornalismo da Guaíba foi reestruturado, com a contratação de repórteres e a compra de equipamentos de transmissão.
É nestes momentos, de tragédias ou de crises como a que atravessa o mundo convulsionado pela pandemia, que fica mais evidente algo que deveria ser óbvio: não existe jornalismo sem reportagem. 

foto de J.B.Scalco/Veja

domingo, 10 de maio de 2020

DONA MARIA I NÃO ERA LOUCA














Alguns personagens da história ficaram marcados com adjetivos que, supostamente, definiram a sua personalidade ou  importância: "Pedro, o Grande", "Ivan, o Terrível", "Felipe, o Belo", "Isabel a Católica".
A Dona Maria I, rainha de Portugal de 1777 a 1816, quando faleceu, aos 81 anos, coube o carimbo pejorativo de "a Louca".
Nas aulas de história os professores não se aprofundam nas razões pelas quais ela ficou conhecida como vítima de transtornos mentais. 
A historiadora Mary del Priore decidiu esclarecer a questão. Foi a bibliotecas, pesquisou em coleções de jornais e em todas as fontes de informação disponíveis para descobrir quem era, de fato, Maria Francisca Isabel Josefa Antonia Gertrudes Rita Joana de Bragança e Bourbon. Conclusão: ela não era louca, de jeito nenhum.
D. Maria foi coroada aos 43 anos, depois da morte de seu pai, D. José I. Herdou um país traumatizado pelo terremoto que devastara Lisboa e pelos desmandos de seu pai, irresponsável e despótico, que deixou a administração ao Marquês de Pombal. Seu primeiro ato foi afastar Pombal e recuperar a dignidade do cargo que passou a ocupar, apoiada pelo marido,  o tio D.Pedro, irmão do pai, com quem teve uma relação de parceria e amor. 
Conquistou o respeito e a admiração dos seus súditos,  mas nove anos depois, teve uma perda que a abalou profundamente: a morte do marido, 17 anos depois do casamento. A responsabilidade de governar e de educar e proteger os seis filhos ficou unicamente sobre seus ombros, e a parte da nobreza que antes tramava nas sombras passou a hostilizá-la cada vez mais abertamente. Nos meses seguintes morreram  filhos e netos, e aquelas crises de melancolia, normais após essas perdas, se tornaram mais frequentes.
A medicina da época pouco podia fazer por ela - não havia nem diagnósticos nem remédios além das primitivas sangrias. Profundamente católica, confiava a seu confessor as suas angústias e crises de consciência, mas não  recebiia dele, e de uma abadessa amiga a quem era  muito ligada, nenhum alívio. Pelo contrário: ambos diziam que ela era punida por Deus  para se tornar uma  santa pelos sofrimentos.  Além disso, naquele tempo as doenças eram coisas do demônio, e assim ela convivia com o terror de, ao morrer, arder no fogo do inferno, eternidade afora.
O filho João acabou assumindo os encargos de governo, mas sempre assinando os decretos abaixo da assinatura de sua mãe, por quem tinha um grande afeto. A fuga da familia real para o Brasil, em 1808, fez bem para a rainha, que deixou em Portugal boa parte dos seus fantasmas. Ela viveu serenamente, no convento do Carmo,  no Rio de Janeiro, e só após a sua morte o filho assumiu o seu cargo, com o título de Dom João VI.
A morte de Maria foi pranteada por meses a fio No Brasil, em Portugal, nas colônias africanas, de Goa e de Macau. Seu corpo foi sepultado duas vezes: uma no Rio de Janeiro e outra na basíloica da Estrela, em Lisboa, cinco anos depois,  quando d. João VI voltou para Portugal. 
Se fosse examinada por um psiquiatra com o conhecimento que se tem hoje sobre a mente humana, d. Maria seria diagnosticada como vítima de depressão profunda. Com tratamento adequado, poderia levar uma vida normal. 
Louca ela nunca foi.



 

sábado, 9 de maio de 2020

CHUVA DE CAJU


Eu sempre achei que caju era uma amêndoa,  como o amendoim e a castanha do Pará. Só fui apresentado à fruta inteira quando tinha mais de 40 anos. Foi em Aracaju, a simpática e acolhedora capital de Sergipe. Fiquei parado na frente de uma banca de frutas, no centro da cidade, e pedi para a vendedora me explicar quais os seus nomes, uma a uma.
Desde então fiquei fã do suco de caju.




O cajueiro da pousada, no Arraial da Ajuda,  estava carregado. Volta e meia caía uma fruta no chão. Até que um dia o tempo fechou, ventou e choveu. Depois do temporal o sol voltou a brilhar, e o pátio da pousada ficou cheio. Chuva de água. chuva de caju.



segunda-feira, 20 de abril de 2020

O SOFRIMENTO DE COPACABANA



Uma amiga carioca que passou a páscoa em Copacabana conta que nas calçadas semidesertas pedintes disputam as pessoas que saem para comprar remédios e comida. Sem restaurantes, bares e lojas abertas, eles passam fome. Quatro semanas de isolamento social deixam suas marcas nas ruas e avenidas, com lixo amontoado e um forte cheiro de fezes e urina dos moradores de rua.
Esta é a realidade visível do bairro. A invisível está entre as paredes dos apartamentos, a maioria de quarto e sala ou "quitinetes" de um só ambiente com uma pequena cozinha e banheiro. Neles, 146 mil pessoas se amontoam em apenas 4,10 quilômetros quadrados. É o bairro com maior densidade demográfica e mais alta percentagem de idosos do Brasil.
Nos anos 50 e 60, ter um apartamento em Copacabana para morar ou passar temporadas era um sonho de consumo da classe média/alta.brasileira. As construtoras realizaram este sonho fazendo também edifícios com unidades cada vez menores e a preços mais acessíveis.
Hoje, estes proprietários - e seus filhos - são idosos, e o bairro, um asilo sem atendentes.
...

sábado, 4 de abril de 2020

PADRE LEO, UM SANTO PADRE




"O maior milagre da igreja católica é que tantos fiéis ainda vão às missas, apesar dos sermões dos padres"  A frase é atribuída ao papa emérito Bento XVI, mas é muito difícil de acreditar que ele seja o autor. Quem assiste a missas regularmente, no entanto, há de concordar que a maioria dos sermões são tediosos e muitas vezes incompreensíveis. Com raras exceções, os religiosos simplesmente cumprem uma tarefa, nos 20 minutos da missa destinados à pregação, falando sobre temas relativos à fé e aos trechos bíblicos, sem muita conexão com as dúvidas, os problemas e as necessidades dos fiéis.
Este não era o caso do padre Léo. Ninguém ficava indiferente quando ele falava. Muito pelo contrário. Ele atraía multidões de pessoas de todas as idades, e eram comuns explosões de  risos, de choro. Ninguém bocejava, jamais. Tinha carisma e o dom da palavra para trocar em miúdos assuntos bíblicos e da fé, dilemas existenciais, e problemas das relações humanas.
Os temas espirituais eram, claro, o foco de suas palestras, transmitidas pela rede de tevê  Canção Nova, com sede na cidade de Cachoeira Paulista, SP.  
Mas ele temperava as conversas - suas pregações tinham um tom coloquial - com histórias de sua infância, menino de familia pobre do vilarejo de Biguá, distrito de Delfim Moreira, Minas Gerais. Preocupado com a questão ecológica, alertava para as consequências do desmatamento, da impermeabilização do solo em grandes cidades como São Paulo, e da falta de cuidados das pessoas em pequenos gestos como jogar uma bituca de cigarro no chão.
Léo Tarciso Gonçalves Pereira nasceu em 9 de outubro de 1961, e em 1981 ingressou no Seminário dos Padres do Sagrado Coração de Jesus de Lavras, MG. Fez noviciado em Jaraguá do Sul e cursou filosofia em Brusque,  Santa Catarina. Cinco anos depois de ordenado padre, em 1995, fundou em São João Batista, SC, a Comunidade Betânia, para acolher principalmente  dependentes químicos, menores abandonados e mães solteiras. 
Padre Léo faleceu em janeiro de 2007, aos 45 anos,  vítima de um câncer linfático. Pregou até o fim: nos últimos meses falava sentado, e tinha que ser amparado para caminhar. Mas nunca perdeu o otimismo e a fé.
Seu trabalho pelos marginalizados criou na população catarinense a fama de santo, e motivou o arcebispado de Florianópolis e iniciar, junto ao Vaticano, o processo de beatificação, aceito em março de 2020. 






Para os católicos brasileiros, Léo já é considerado santo. 
Um santo padre.