domingo, 28 de junho de 2009

CINEMA MOINHOS DE VENTO




Cada vez que a Mega Sena fica acumulada os repórteres fazem a mesma (e criativa) pergunta aos ansiosos apostadores: o que você vai fazer com os 55 milhões de reais???
Pois se algum dia eu for entrevistado, tenho a resposta na ponta da língua: vou comprar o local onde funcionava o cinema Moinhos de Vento, que depois mudou o nome para Coral (1 e 2) e está à espera de um empreendedor que queira fazer bom uso daquele espaço, até hoje disponível sem que nem ao menos uma igreja evangélica tenha se interessado por ele.
É muito desaforo.
Nos anos 60/70, ir ao Moinhos de Vento ( o cinema, não o shopping) aos sábados à noite era pra lá de chique. Mesmo que o filme não fosse grande coisa, a curtição estava sempre garantida. Rapazes e moças vestiam suas melhores roupitchas. Muito namoro começava ali.
Eu deixaria o local como era naquela época. Poltronas macias, ar condicionado perfeito, uma sala só (nada de 1, 2,3, 4,5). Só acrescentaria um esquema de segurança para garantir a tranquilidade dos frequentadores na calçada em frente ao prédio. As sessões seriam apenas à noite. O cinema se harmonizaria perfeitamente ao circuito de bares e restaurantes da Calçada da Fama, da rua Padre Chagas e transversais, a face cosmopolita de Porto Alegre.
Já pensou? Ver um filme às oito da noite e depois jantar no Orquestra de Panelas?
Levar a namorada para uma happy hour num café e depois ver um filme, no escurinho?
A reestréia seria em grande estilo: os convidados - muitos, para lotar o cinema - seriam recebidos com champanha e canapés (nem pensar em pipocas). Depois assistiriam Um Tiro no Escuro, genial comédia de Blake Edwars com Peter Sellers que muita gente deve ter visto lá na década de 60.
Ah, se me entrevistarem...
Ah, se eu ganhar na mega...

AS MANSÕES DOS JOÃO DE BARRO






terça-feira, 23 de junho de 2009

SAINT-HILAIRE DESCOBRE O RIO GRANDE DO SUL



Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853)era um viajante incansável. Em 1820, quando atravessou o rio Mampituba e iniciou suas andanças pela Capitania dos gaúchos, o botânico francês já havia percorrido os atuais estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina. Foram três anos de observações sobre as plantas e as pessoas da imensa colônia portuguesa.
Em seu livro Rio Grande do Sul, Prazer em Conhecê-lo, de leitura obrigatória para quem quer saber como surgiu e se consolidou o extremo sul do país, Barbosa Lessa extrai trechos do livro Viagem ao Rio Grande do Sul, crônicas de Saint Hilaire sobre os nove meses que passou entre o frio úmido de Porto Alegre, o calor insuportável de São Borja e os perigos da Lagoa dos Patos. Os relatos revelam como viviam os gaúchos numa época em que aqui só o Litoral e a campanha eram habitados. As únicas atividades econômicas eram a pecuária e as charqueadas, em que a mão-de-obra eram os escravos, quase sempre tratados com crueldade pelos seus donos. Como recém havia chegado de Santa Catarina (da sua parte habitada), Saint-Hilaire faz uma interessante comparação entre os tipos humanos das duas capitanias.
São retratos interessantíssimos da realidade do extremo sul do continente antes da proclamação da independência, quando a região ainda era disputada por portugueses e espanhóis.

O CLIMA
“Esta Capitania é certamente uma das mais ricas de todo o Brasil e uma das mais bem aquinhoadas pela natureza. Os ventos, renovando constantemente o ar, fazem com que certas moléstias, tais como as febres intermitentes, sejam aqui inteiramente desconhecidas. As moléstias mais comuns são as doenças do peito e da garganta e os reumatismos, que provêm das contínuas mudanças de temperatura”.

LAGOA PERIGOSA
“Situada à beira-mar, possui inúmeros lagos e rios que oferecem fáceis meios de transporte. Entretanto, no tocante à lagoa dos Patos, é verdadeiramente inconcebível que não tenha o governo, até agora, tomado medida alguma para tornar menos perigosa a navegação”.

TERRA FÉRTIL
“O solo produz trigo, centeio, milho e feijão com abundância, e experiências têm provado que todas as árvores, cereais e legumes da Europa aqui produzirão facilmente se forem cultivados.”

GADO À BEÇA
“As pastagens, comportando uma imensidão de gado, não exigem dos estancieiros grandes despesas com escravos, como acontece nas regiões de mineração e de indústria açucareira. Não é raro encontrar estâncias com renda de 10 a 40 mil cruzados. Como quase não há despesas a fazer, tal fortuna tende a aumentar em rápida progressão.”
“Nada mais comum aqui que o roubo de animais. É tão banal este gênero de furto que chega a ser visto como uma coisa legítima.”

BRANCOS, ÍNDIOS, NEGROS
“A Capitania tem 66.665 habitantes, sendo 32.000 brancos, 5.399 homens de cor livres, 20.611 homens de cor escravizados e 8.655 índios”.

DIFERENÇAS ENTRE GAÚCHOS OS CATARINENSES
“Os habitantes passam a vida, por assim dizer, a cavalo, e frequentemente locomovem-se a grandes distâncias com rapidez suposta além das possibilidades humanas. A maioria deles é originária de Açores, tal como os da Capitania de Santa Catarina. Todavia, uns e outros pouco se assemelham. Os daqui são corpulentos, os outros são magros e pequenos. Os daqui são corados, têm maior vivacidade de modos, os dali tem tez amarelada. Tais diferenças provêm naturalmente de seus regimes e hábitos. Os daqui vivem continuamente a cavalo, fazendo exercícios e respirando o ar mais puro e sadio da terra; os catarinenses vivem quase sempre da pesca ou do trabalho da terra. Os desta Capitania comem carne, e algumas vezes pão, e os segundos alimentam-se quase somente de peixe e farinha de mandioca.”

VISITA A UMA CHARQUEADA
“Diante da charqueada do senhor Chaves (o empresário português Antônio Rodrigues Chaves) estendem-se várias fileiras de grossos paus fincados à terra, com varões transversais destinados a estender a carne a secar. A carne-seca não se conserva mais de um ano: é exportada principalmente para o Rio de Janeiro, Bahia e Havana, onde serve de alimento para os negros.”
“Fui hoje com o senhor Chaves à aldeia (Pelotas), viajando em cabriolé descoberto. Nada tão belo como a região por nós atravessada. Nos pomares, na maioria muito grandes, são cultivadas laranjeiras, pessegueiros, parreiras, legumes e algumas flores. "

“Os charqueadores recebem, sem a mínima dificuldade, o gado criado nas gordas pastagens situadas ao sul do Jacuí. Há entre eles homens muito ricos. A média de animais abatidos por ano é de 20 mil.”
“Os brasileiros são em geral prestimosos e generosos, mas o hábito de castigar os escravos embota-lhes a sensibilidade. Nesta Capitania acresce uma outra modalidade da dureza de coração. Vivem, por assim dizer, no meio de matadouros; o sangue dos animais corre sem cessar ao redor deles e desde a infância se acostumam ao espetáculo da morte e dos sofrimentos. Não é pois de estranhar que sejam mais insensíveis que o resto de seus compatriotas.”

OS CÃES
“Observo frequentemente em minhas viagens como a influência do clima é poderosa sobre os seres vivos. Na zona tórrida os cães latem menos, são tímidos e fogem à mais insignificante ameaça. Ao contrário, nesta Capitania eles latem muito e frequentemente perseguem os transeuntes com audácia e animosidade”.

A CRUELDADE DA ESCRAVIDÃO
"Nas charqueadas os negros são tratados com rudeza. O senhor Chaves, tido como um dos charqueadores mais humanos, só fala aos seus escravos com exagerada severidade, no que é imitado pela sua mulher."
"Há sempre na sala um pequeno negro de dez ou doze anos, cuja função é de ir chamar os outros escravos, servir água e prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz que essa criança. Nunca se assenta, jamais sorri, em tempo algum brinca. Passa a vida tristemente encostado à parede e é frequentemente maltratado pelos filhos do dono. Não é esta casa a única que usa este impiedoso sistema: ele é comum em outras."

UM BAILE EM PORTO ALEGRE
"Ainda não havia visto no Brasil uma reunião semelhante. No interior as mulheres se escondem e não passam de primeiras escravas da casa, ao passo que os homens não têm mínima idéia dos prazeres que se podem usufruir decentemente. Aqui, dançaram-se valsas, contradanças e bailados espanhóis, algumas senhoras tocaram piano, outras cantaram com muita arte acompanhadas ao bandolim, e a festa terminou com pequenos jogos de salão. As senhoras falam desembaraçadamente comos homens, e stes cercam-nas de gentilezas - sem contudo demonstrarem empenho em agradar, qualidade esta quase exclusiva do francês."


segunda-feira, 15 de junho de 2009

O SÍTIO DA HOSPITALIDADE

Barbosa Lessa nasceu em Piratini, iniciou seus estudos no colégio Gonzaga, em Pelotas, e, adolescente, foi para Porto Alegre, onde terminou o segundo grau no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e depois se formou em Direito na Urgs. Desgarrado na capital, iniciou, com alguns amigos também vindos do interior como Paixão Cortes e Glaucus Saraiva, uma revolução para resgatar as tradições gaúchas. Criou o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, compôs obras-primas como Negrinho do Pastoreio (qual é o gaúcho que não se emociona cada vez que ouve?), e em 50 livros divulgou o que se chama de cultura gaúcha - seu folclore, suas danças, a história de sua gente.
Mais de 40 anos depois, consagrado como escritor, folclorista, compositor,publicitário e jornalista, Lessa se aposentou e fez o movimento inverso. Deixou as cidades grandes (São Paulo, e depois Porto Alegre) para morar, até morrer, em 2002, no seu sítio a 30 quilômetros de Camaquã,. De lá saía um sábado por mês para prosear com os amigos na Feira de Artesãos do Parque Farroupilha, em Porto Alegre, e vender erva-mate e travesseiros de capim perfumado produzidos por ele e a mulher Nilza. Nestes 15 anos de exílio voluntário, o sítio do casal se tornou um santuário ecológico onde todos os visitantes eram recebidos com a hospitalidade das pessoas do interior.


A casa simples, de madeira, fica à beira de um arroio, cercada de mato. Ali, respirando ar puro, bebendo água de uma fonte, o poeta e escritor encontrou a paz que tanto procurava.



Barbosa Lessa (à direita) proseando com o amigo José Otávio (Dedé) Ferlauto, num domingo do outono de 1996.

Nesta cachoeira do arroio Duro, ao lado da casa de Barbosa Lessa, foram gravadas cenas do filme Netto Perde Sua Alma, de Tabajara Ruas e Beto Souza



O SÍTIO DA HOSPITALIDADE


Negrinho do Pastoreio
Acendo essa vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi
Negrinho do pastoreio
Traz a mim o meu rincão
Eu te acendo essa velinha
Nela está meu coração
Quero rever o meu pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
Brincando na água da sanga
Quero trotear nas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade
O morro de mata-virgem era o cenário descortinado por Barbosa Lessa da janela de seu "escritório" - um quartinho de madeira construído próximo a casa principal, mobiliado apenas com uma mesa e uma cadeira, cercados de livros por todos os lados. Da mata se ouvia os gritos dos bugios, principalmente quando ouviam vozes de visitantes. "Estão saudando vocês", comentou, rindo, ao chegarmos.

As colinas do interior de Camaquã, onde Lessa comprou um sítio após a aposentadoria, em 1987

A sensação esquisita

BARBOSA LESSA*
Há 10 anos viramos as costas à Capital, eu e minha mulher, e nos enfiamos na mata-virgem da serra de Camaquã. No princípio tudo era quase novidade e nos sentimos muito bem, principalmente depois que começamos a produzir plantas medicinais e erva-mate para a Cooperativa Coolméia. A safra de erva era muito animada, com a peonada se agitando no sapeco à beira do barbaquá. Mas depois as coisas foram se complicando, de ano para ano, e começamos a sentir na própria carne o tal êxodo rural. Nosso vizinho menos longe, o Seu Alfredo, foi o primeiro a se mandar, nem sei bem pra onde. Também a casa do Seu Leco, o outro vizinho, virou tapera completa. Foram escasseando e desaparecendo os ajudantes ervateiros. Hoje só temos como peão o Altamiro, e olhe lá!, não sabemos se amanhã ainda estará conosco. Há vezes em que dou um grito na mataria e não encontro ninguém para me responder.
Mas existe uma outra face da moeda, que mantém nossa casa num astral sempre elevado. Viver na mata-virgem é algo que lava a alma. Cada vez que o sol nasce, o coração se reaquece. Não tem ninguém para nos encher os ouvidos se queixando da crise. O que nos enche os ouvidos é o gorjeio dos sabiás, o misterioso solfejar do urutau, a orquestração dos bugios roncando, o tipo de uivar do mão-pelada, até mesmo o grasnido do tucano, que aqui é uma ave em extinção.
Um dia desses, de manhãzinha, tive uma surpresa. Ao abrir as venezianas da janela do quarto, deparei-me, a não mais que uns cinco metros, com dois tucanos placidamente pousados nos ramos do velho cambará que nos dá sombra. Logo chamei a Nilza, para que também ela pudesse ver de tão perto esses dois seres habitualmente muito ariscos. Os enormes e coloridos bicos reluziam ao sol!
Eles também nos fitavam, meio sarapantados, com profunda curiosidade. E tive então uma esquisita sensação. Não estou querendo exagerar, agora, fazendo poetice ou vã filosofia. Mas acreditem, que foi verdade: meio constrangido, tive a nítida idéia de que os dois tucanos estavam nos olhando com a natural curiosidade de quem examina, enquanto ainda é tempo, um pobre animal em extinção...
* Texto publicado no periódico Taí, reproduzido na Revista ZH do jornal Zero Hora em 18/5/1997



domingo, 14 de junho de 2009

O SOL SE PÕE












Como é bonito ver o sol se esconder lentamente atrás das montanhas, junto à lagoa de Tramandaí, num final de domingo. E o espetáculo não custa nada...



OUTONO/INVERNO














Durante o verão, as folhas do plátano formam um bloco compacto que impede a passagem dos raios solares. Sua sombra é um ar refrigerado natural. Debaixo da árvore é sempre fresco, por mais alta que seja a temperatura. Em maio as folhas começam a mudar de cor, passando para um amarelado. Em junho e julho, secas, elas começam a cair, e a cada chuvarada, cada ventania, deixam o tronco e os galhos mais à mostra. Em setembro, com a primavera, o ciclo recomeça.


Em janeiro de 2020 o tronco de mais de um metro de diâmetro foi cortado na base. 
A decisão de cortar deve ter sido baseada em bons argumentos, mas é uma pena. 
A rua Itaqui, no bairro Petrópolis, Porto Alegre, perdeu seu maior encanto.


segunda-feira, 8 de junho de 2009

CAMPOS DO JORDÃO


























Os paulistas têm a sua Suíça - ou a sua Gramado. É a cidade de Campos do Jordão, para onde acorre, em julho, a classe média /alta de São Paulo, em busca de frio e o charme das estações de esqui européias. 
Assim como em Gramado, muitos os prédios de Jordão tem estilo germânico, e não faltam bares e restaurantes sofisticados (e caros). O bairro  de Capivari é o point, com seu charme (falsamente) europeu. Em julho a música está no ar: concertos de música clássica, shows de chorinho, bossa nova, rok, de manhã, de tarde, de noite. 
Naquela região não se fala em neve - a última nevasca ocorreu em 1942 - mas faz bastante frio devido à altitude de 1.628 metros. Situado num vale do topo da Serra da Mantiqueira, é o município mais alto do país. 

Ruas limpas e prédios com estilo europeu dão um toque sofisticado à cidade, situada a 167 quilômetros de São Paulo

No inverno, época de pouca chuva, a luminosidade do ar permite que se veja as montanhas da Serra da Mantiqueira até onde a vista alcança.


sábado, 6 de junho de 2009

NEVE? QUE NEVE?


Repórteres são mandados às pressas, muitas vezes sem poder passar em casa para pegar seus casacões, enfrentam dezenas de quilômetros de estrada de chão até São José dos Ausentes, a cidade mais fria do Rio Grande do Sul, mas a neve só caiu na madrugada, e ninguém viu. De manhã, depois de uma noite mal-dormida em um hotelzinho precário, restaram apenas aquelas imagens de gotículas congeladas nas árvores, avidamente disputadas pelos cinegrafistas. Melhor sorte têm os jornalistas hospedados cidades onde há em hotéis confortáveis, com calefação e edredons quentinhos. Depois de cafés da manhã fartos, exercitam a sua criatividade entrevistando cariocas e paulistas deslumbrados com o frio, as compras e a paisagem. A neve? Bom, os meteorologistas garantem que ela cairá na próxima onda de frio, que como sempre vem da Argentina (os argentinos dizem que o frio vem da Antártida...).
Mesmo sem neve, os hotéis, pousadas e restaurantes lotam, e cobram caro. Turistas pagam qualquer preço, nem que vejam neve só em cartões postais antigos.
Os empresários e os secretários de turismo dos municípios estão na deles. Vendem o seu peixe. Os editores de tevês e jornais não têm nada a perder. Suas equipes sempre produzirão reportagens interessantes, na base do "já que não nevou, o jeito é tomar chocolate quente junto à lareira". E fazer de conta que estão nos Alpes ou nas Montanhas Rochosas.
Mas algum sociólogo, algum dia, ainda se dedicará a fazer uma tese de mestrado para descobrir a razão deste fenômeno que leva tanta gente que teria condições econômicas de pagar uma viagem até Bariloche, Las Leñas ou outro lugar onde realmente há neve (e se pode esquiar) a se deixar iludir por um lance de marketing repetido a cada ano. Será que ninguém, nunca, vai recorrer ao Procon, e exigir a neve prometida ou o dinheiro de volta????

A Cascata do Caracol, em Canela (foto de cima) e o Vale do Quilombo, em Gramado (foto de baixo), são tão bonitos que valem uma viagem até a serra gaúcha, no inverno ou no verão. Com ou sem neve.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

WALLPAPER



terça-feira, 2 de junho de 2009

JORNALISMO É CACHAÇA


Sonhadores, idealistas, vaidosos, os jornalistas costumam responder a quem questiona a sua teimosia em prosseguir numa profissão estressante, mal-remunerada, com um mercado de trabalho cada vez mais instável, que jornalismo é cachaça.
Ter o nome publicado no jornal, citado na rádio ou na tevê vale o sacrifício da vida pessoal, os fins de semana e feriados na redação ou na rua, as horas extras, as duplas jornadas para chegar a um salário aceitável. O jornalista se sente importante. Uma reportagem pode derrubar um secretário, um ministro, até um presidente da República. Muitos são reconhecidos na rua, cumprimentados. Os convites para coquetéis, almoços e jantares são tantos que é impossível comparecer à maioria deles.
Mas chega a difícil hora de mudar, por demissão, aposentadoria ou um emprego ou atividade que remunere melhor. São raros os casos de jornalistas que assumem com naturalidade a nova vida. Continuam lendo avidamente os jornais, ouvindo os noticiários de rádio e tevê, mesmo que o público de seus comentários se limite à esposa, os filhos, o dono do mercadinho da esquina. É o vício.
Foi o caso de um colega que, aposentado, continuava visitando na redação para tomar um café, comentar fatos, criticar coberturas que no tempo dele seriam melhores, muito melhores. Tinha sido repórter e chefe de reportagem, se orgulhava de ter acesso aos gabinetes de autoridades durante décadas.
Um dia, me ligou furioso. Caminhava pela rua da Praia quando viu uma viatura da polícia, gente correndo, assustada. Chegou até um grupo de pessoas e perguntou a um jovem fotógrafo do jornal onde trabalhara o que estava acontecendo. Ele não respondeu. Tentou puxar conversa, disse que também era jornalista, ex-colega. O rapaz, irritado, respondeu: "Não xaropeia, véio". E se afastou.
A grosseria serviu de lição para o veterano jornalista, que passou a se dedicar à pesquisa histórica, à poesia.
Nunca mais apareceu na redação.