domingo, 15 de março de 2009

O FURACÃO CATARINA


Os plantões dos sábados no jornal Zero Hora costumam ser monótonos. A edição de domingo fica pronta na madrugada, e trabalho dos plantonistas que chegam a partir das sete horas é revisar as páginas e atualizá-las com os fatos ocorridos de manhã e no início da tarde.
Mal-dormidos pela jornada dupla de sexta-feira/sábado ou - ninguém é de ferro - pelas baladas, os repórteres e editores, movidos a café, rezam para que nada de extraordinário aconteça e eles possam voltar para casa sem sobressaltos.
O plantão do dia 27 de março de 2004 foi uma exceção. Desde cedo a editoria Geral tinha a informação de que um furacão se aproximava da costa do sul do Brasil. O site da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), a autoridade norte-americana para monitoramento de ciclones baseada na Flórida, mostrava imagens de nuvens em movimentos circulares sobre o oceano, e advertia que se tratava de um furacão. Pior: ele se aproximava da costa e em questão de horas atingiria o litoral, na área entre o sul de Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul.
Procuramos a orientação da Central de Meteorologia da empresa. O meteorologista de plantão garantiu: " isto é loucura dos americanos, pois furacões não ocorrem por aqui. Se trata de um ciclone extra-tropical, que, como sempre ocorre, se afastará para alto mar. Não se preocupem."
O problema é que a cada vez que consultávamos o site da NOAA, com imagens em tempo real, as nuvens estavam mais próximas da costa.
Como nosso meteorologista, que se tornou conhecido pela sua teomania ("amanhã vou conseguir chuvas fartas para a região noroeste, castigada pela estiagem)" e o gosto pelas previsões fictícias ("daqui a sete dias, lá pelas duas e meia da tarde, vai cair uma chuvinha fina na região metropolitana") estava irredutível, o jornal foi para as ruas com uma matéria morna, onde a chegada do ciclone era apenas uma possibilidade avalizada pelos especialistas norte-americanos. Nada de alertar/alarmar a população ou mobilizar os órgãos de defesa civil.
Por precaução, um repórter e um fotógrafo foram mandados para Torres, divisa com Santa Catarina. "Se nada acontecer, vocês poderão curtir o fim de semana no melhor hotel da cidade", brinquei, na hora da saída.
Rodada a edição, fui para a minha casa da praia. Ao anoitecer, olhei para o céu e o que vi confirmou os meus temores de que os gringos estavam certos: as nuvens vinham do mar, faziam um movimento circular e voltavam, como nas imagens que eu vira no site.
Poucas horas depois, o hotel onde a equipe do jornal se hospedara, situado junto à praia, teve quase todos os seus vidros quebrados pela força dos ventos. Os hóspedes passaram a noite abrigados numa sala do andar térreo. O litoral sul de Santa Catarina foi varrido por ventos de até 150 quilômetros por hora. Ondas de 5 metros causaram o naufrágio de dois barcos de pesca, no Farol de Santa Marta, em Laguna, e outra em Itajaí. Vinte mil residências foram destruídas nas cidades litorâneas. A BR-101 ficou interditada.
O ciclone extra-tropical - ou furacão - ganhou o nome de Catarina. Mas bem que poderia se chamar ... Cléo.

Um comentário:

Chavinho disse...

Amigo Clóvis
Belíssima lembrança de um momento -elegantemente falando - absurdamente infeliz do previsor do tempo. Eu estava longe dos pagos e, particularmente, bem distante de tudo, afinal estava comemorando naquele fatídico 27 de março de 2004 os meus 51 anos de vida. Mas acompanhei tudo pelo caudalosa cobertura da imprensa. Não devemos deixar passar barbaridades como essas e o cumprimento por isso. A lembrança renova a memória de momentos que não devem ser esquecidos. Até para que aprendamos com ele.
Grande abraço

Chavinho