Naquela época os argentinos vinham a Tramandaí em ônibus de turismo e se hospedavam no nosso hotel, geralmente por uma semana. À noite ficávamos batendo papo, e naturalmente nos tornávamos amigos deles. Cada despedida era uma festa, e às vezes lágrimas rolavam nos rostos de hermanas enfeitiçadas por algum repórter da sucursal.
O contrário também acontecia. Um dos nossos ficou enlouquecido por uma argentina, muito bonita na flor dos seus trinta e poucos anos. Ela parecia corresponder, mas havia um problema: o marido estava junto, e não desgrudava dela. Solidários, tentamos vários estratagemas para separá-los, pelo menos algumas horas, para que os dois pudessem, digamos, se entender. Tudo em vão. Decidimos jogar pesado: embebedar o maridão, para que ele, entregue a morfeu, deixasse a esposa e nosso apaixonado colega à vontade.
Bate-bate era um boteco de madeira escondido entre as dunas, cerca de um quilômetro depois da plataforma de pesca. Lá só se serviam batidas, todas de altíssimo teor alcoólico. O bar estava na moda - a moçada enfrentava a areia da beira da praia para passar algumas horas lá, bebendo e ouvindo música. Casais se perdiam nas dunas, motoristas tinham dificuldade em achar a trilha depois de provar os coquetéis de cachaça.
Alguns dias antes, no carnaval, a turma do Bate-Bate havia desfilado na avenida Emancipação, um garçom vestido de padre à frente. Conferimos se a batina ainda estava lá, e combinamos que no dia seguinte voltaríamos com um grupo de turistas argentinos, com a condição de que fossem recebidos pelo falso padre. O Bate-Bate mudou de nome: passou a ser El Templo de La Perdición.Convidados, os argentinos adoraram a idéia. Estavam loucos para conhecer o templo. Lotamos três carros (o meu e dois do jornal - a Núbia Silveira que me perdoe) e nos mandamos. O padre esperava na frente do barracão, e junto com a bênção entregava a cada um de nós um copo daquelas batidas. Discretamente, todos olhávamos o copo do maridão, mas ele era o que menos bebia. Lá pelas tantas, decidimos voltar. Jantamos no Carlão, um restaurante à beira do rio, no Imbé, e depois viemos até a minha casa. Bebemos, cantamos, conversamos, e o maridão, sóbrio. O dia amanhecia quando o grupo, exausto e conformado com mais uma derrota, retornou ao hotel. A esposa continuou intocada até seu retorno à Argentina. Sim, ela chorou na despedida.

Na foto de Sílvio Ávila, tirada na minha casa em Imbé, alguns personagens desta história. Sentados, da esquerda para a direita, os jornalistas Flávio Dutra, Roger Bitencourt e Luís Artur Ferrareto. De pé, o motorista Ari, eu e o fotógrafo Antônio Pacheco. Os demais são nuestros amigos argentinos, entre eles la señora y su marido.
INTERPRETANDO DESEJOS
Oito da manhã da quarta-feira de cinzas de 1987. Ao chegar para trabalhar no hotel Beira Mar de Tramandaí, onde estava instalada a redação de Zero Hora para a cobertura do veraneio no Litoral Norte (eu dormia na minha casa, em Imbé), vi um grupo de rapazes com roupas orientais - aqueles trajes soltos que iam até os pés, turbantes na cabeça.
Achei que eram foliões saindo de algum baile à fantasia, e subi até o primeiro andar para organizar a pauta do dia.
Alguns minutos depois, o recepcionista ligou para pedir ajuda: não entendia o que uns caras com roupas estranhas falavam. Desci e lá estavam os supostos foliões. Em inglês britânico, explicaram que eram indianos, marinheiros de um petroleiro que chegara no dia anterior. Estavam de folga, e tinham o dia para ficar em terra firme. Queriam comprar lembranças para as esposas, e perguntaram se eu podia acompanhá-los por meia hora.
Topei, e saímos pela cidade. Eles queriam comprar tecidos e trocar dólares. Banquei o intérprete e voltei para a redação. Mais tarde o recepcionista ligou novamente. Os indianos queriam falar comigo. Meio constrangidos, explicaram que estavam há três meses no mar, e gostariam de ... tirar o atraso.
Passei o problema ao funcionário, e ele ligou para a dona de um "drink bar", conhecida dele. Explicou a situação - marinheiros estrangeiros, com grana, que não falavam português, querendo apenas os prazeres do sexo.
Acertou os detalhes com ela ( quantos eram, quanto custava), chamou um taxi e deu as instruções para que fossem e voltassem seu contratempos.
Já passava das duas da tarde quando eles vieram me agradecer, risonhos como crianças que ganharam um brinquedo.
E voltar para o navio, e para suas esposas.
Achei que eram foliões saindo de algum baile à fantasia, e subi até o primeiro andar para organizar a pauta do dia.
Alguns minutos depois, o recepcionista ligou para pedir ajuda: não entendia o que uns caras com roupas estranhas falavam. Desci e lá estavam os supostos foliões. Em inglês britânico, explicaram que eram indianos, marinheiros de um petroleiro que chegara no dia anterior. Estavam de folga, e tinham o dia para ficar em terra firme. Queriam comprar lembranças para as esposas, e perguntaram se eu podia acompanhá-los por meia hora.
Topei, e saímos pela cidade. Eles queriam comprar tecidos e trocar dólares. Banquei o intérprete e voltei para a redação. Mais tarde o recepcionista ligou novamente. Os indianos queriam falar comigo. Meio constrangidos, explicaram que estavam há três meses no mar, e gostariam de ... tirar o atraso.
Passei o problema ao funcionário, e ele ligou para a dona de um "drink bar", conhecida dele. Explicou a situação - marinheiros estrangeiros, com grana, que não falavam português, querendo apenas os prazeres do sexo.
Acertou os detalhes com ela ( quantos eram, quanto custava), chamou um taxi e deu as instruções para que fossem e voltassem seu contratempos.
Já passava das duas da tarde quando eles vieram me agradecer, risonhos como crianças que ganharam um brinquedo.
E voltar para o navio, e para suas esposas.
2 comentários:
Clovis,
grande história. Melhor aínda porque não revelaste quem era o jornalista que se apaixonou pela argentina. Se conheço bem os bandidos, sei muito bem de quem se trata...
Mas faço que nem tu: nem comento.
Forte abraço.
A única coisa que vou revelar é que... não fui eu.
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