sábado, 16 de março de 2019

O OITAVO DIA DE NELSON SIROTSKY






Raramente gosto de autobiografias. Quem escreve um livro sobre si mesmo inevitavelmente evitará os seus erros e exagerará nos acertos. Demorei bastante até comprar "O Oitavo Dia", a biografia de Nelson Sirotsky, escrita por ele em parceria com a escritora Letícia Wierzchowski. Mas a curiosidade acabou vencendo. Afinal, trabalhei quase 27 anos na RBS - rádio, tevê e jornais. 
Na primeira fase, entre 1973 e 1974, vivi as agruras de uma fase de vacas magras, magérrimas. Fui para a Caldas Júnior e quando voltei, em 1980, a situação era bem melhor, enquanto a concorrente já apresentava sinais da crise que acabou na sua venda. 
Já nas primeiras páginas constatei que Nelson escreveu e ditou suas memórias de coração aberto. Relatou com sinceridade a sua profunda admiração pelo pai, de quem herdou o dom da comunicação, e a quem acompanhava todos os domingos, ainda criança, aos shows do cine Castelo. Herdou também a paixão pelo trabalho, registrada na sua carteira de trabalho, assinada quando tinha 17 anos, encarando a rotina de funcionário do setor de contabilidade de Zero Hora, sem privilégio algum, ao mesmo tempo que cursava administração de empresas na Ufrgs.
Conta com naturalidade coisas que até então eram cochichadas nos corredores da empresa, como o filho que teve fora do casamento e as dificuldades enfrentadas na sua relação com Nara, a sua esposa. 
Lembra com prazer a sorte que teve ao estar em Manhattan no dia do atentado às torres gêmeas, tornando-se um aplicado repórter da rádio Gaúcha, da RBSTV e dos jornais da rede, junto com a sobrinha Tanise Dvoskin, que também estava lá - o correspondente Chico Reis não conseguiu chegar à ilha porque morava do outro lado do rio e todas as vias de acesso foram bloqueadas.
Boa parte do livro é dedicada à suas relações familiares, da vinda dos avós imigrantes para o Brasil à chegada dos netos.
Revela com detalhes o fracasso de sua tentativa de comprar a CRT junto com a Telefônica de Espanha, que quase levou a RBS à falência.

A, sempre difícil, relação com os poderes, os partidos e os líderes políticos e empresariais também é lembrada. Especialmente a hostilidade do PT contra a empresa, mesmo que tivesse contratado Lula, então presidente do partido, como colunista semanal.
A RBS Prev, empresa de previdência privada, foi uma iniciativa dele, preocupado em permitir aos funcionários uma aposentadoria digna. Graças a esta renda extra, também eu pude me aposentar quando achei que estava na hora, depois de participar, com muito entusiasmo e energia, de um período de intenso crescimento da empresa, de 1980 até 2005. 
O que não está, e poderia estar no livro, é um episódio que revela o caráter do Nelson (lá ninguém o chamava de "seu" nem de "doutor"): a empresa terceirizada que cuidava da limpeza informou que boa parte dos produtos de higiene pessoal colocado nos banheiros sumia. Inconformado, Nelson decidiu que, dali em diante, todos os funcionários ´das faixas salariais mais baixas passariam a receber, no dia do pagamento, uma cesta básica, composta de alimentos e artigos de limpeza e higiene. 
O livro é, sobretudo, a história de um homem que ousou fazer o que achava correto, assumindo os riscos de suas decisões, e que colocou paixão em tudo que fez, até tomar a mais difícil de sua vida: a de se afastar do grupo que presidia, aos 60 anos, idade que seu pai tinha quando faleceu.

 E iniciar o Oitavo dia.

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