domingo, 24 de fevereiro de 2019
PARAÍSOS
A Ilha Reunião, no Oceano Índico, perto de Madagascar, é um paraíso, com mar de águas tépidas de cor azul-turquesa, coqueirais, florestas, montanhas, cachoeiras, clima agradável e hotéis para bilionário nenhum botar defeito.
Por ser um território ultramarino da França (assim como Guadalupe e outras ilhas do Caribe, e a Guiana), a ilha se tornou um playground dos franceses, que lá passam suas férias, e uma alternativa para aqueles que querem mudar de vida. Afinal, quem não deseja viver no paraíso, e sem precisar morrer?
Reunião atrai também, claro, escroques de todo tipo, traficantes, alpinistas sociais e trabalhadores africanos e asiáticos para fazer o serviço pesado em hotéis, restaurantes e na construção civil.
Este foi o cenário escolhido pelos produtores da série Cut, que vai ao ar TV5 francesa . Gosto de ver por causa dos cenários belíssimos, mas o enredo, apesar dos personagens bronzeados, mulheres bonitas, com a elegância descontraída desses lugares, é uma sucessão de traições, ambição desmedida, chantagens e, de vez em quando, um assassinato.
Eu, você e a torcida do Flamengo sonhamos, desde jovens, em morar num lugar que o chavão das reportagens de turismo chama de "paradisíaco". Conheço muita gente que apostou em seus sonhos e se deu bem. Jamais deixaria o seu pedacinho de céu.
Mas muitas vezes o sonho acaba em decepção - as pessoas são iguais, em qualquer lugar. E aquela cidadezinha nas montanhas, a ilha ou a praia que conquistou o nosso coração acabam ficando apenas na recordação, ou para passar as férias.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019
REDEIROS DE SÃO BENTO
Comprar redes dos nordestinos, além de ser bem mais barato, tem um sabor especial. Com elas, chegam até nós histórias como a de Jorge, paraibano de São Bento, " a capital mundial das redes", declara, com orgulho.
Cidade de 33 mil habitantes localizada a 375 quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba, São Bento é centro de um polo fabril onde são fabricadas 12 milhões de redes por ano.
Elas são vendidas pelo país afora em lojas, feiras e também pelos vendedores que viajam de cidade em cidade oferecendo seus produtos, colocados em carrinhos empurrados no muque, de sol a sol.
Jorge está no Imbé e daqui segue de volta para o seu nordeste. Mas antes passará pelo oeste de Santa Catarina, do Paraná, Mato Grosso do Sul, e sempre para o norte até Rondônia. Sua viagem dura de dez a onze. Só então poderá rever os amigos e familiares e tomar um banho no rio Piranhas (foto baixada da internet)), que corta cidade.
Uma vida dura, mas ele não se queixa. Tem trabalho e ganha o seu sustento.
São Bento, Paraiba
VIDA DESGOSTOSA
Pão sem glúten,
leite sem lactose,
café sem cafeína,
cerveja sem álcool,
vida sem graça.
domingo, 17 de fevereiro de 2019
O GABEIRA
Quando, lá nos anos 90, Augusto Nunes, diretor de redação do jornal Zero Hora, me chamou para comunicar que havia contratado Fernando Gabeira para fazer crônicas e reportagens e que eu seria responsável pelos contatos com ele, logo pensei em tantos colegas de trato difícil, com soberba bem maior que seu talento. "Que pepino", pensei.
O temor de desfez na nossa primeira conversa. Ele teria que vir a Porto Alegre para ser apresentado aos novos colegas, e me pediu para se hospedar numapousada modesta, na zona sul da cidade, à beira do Guaíba. Disse a ele que não havia uma pousada assim por aqui. Pensei um pouco e acabei optando pelo hotel Everest, num quarto de andar alto com vista para o rio.
No período em que trabalhamos juntos ele se revelou uma pessoa que, apesar da inteligência brilhante e um senso crítico agudo, demonstrado em seus textos e nas análises do jornal que fazia nas reuniões com os editores, nunca perdia o bom humor e o jeito mineiramente simples de tratar a todos.
Não exigia nada que não fosse ajuda de custo para pagar as despesas. Fazia as próprias fotos e, nas coberturas de eventos no Rio, usava sempre a bicicleta.
Suas pautas eram sempre criativas: descobriu o Jalapão, e fez uma entusiasmada reportagem sobre aquele pedaço de amazônia localizado no Piauí.
Numa tarde de outono ele me contou que a mudança de estação provocou nele uma súbita sensação de melancolia. Pensou um pouco, e descobriu a causa: em seus longos anos de exílio na Suécia, o fim do verão era um período de depressão generalizada. "Mas eu estou no Rio. Que maravilha", e deu uma gargalhada.
Gabeira.
Um cara para se admirar e respeitar.
domingo, 3 de fevereiro de 2019
UM ANIVERSÁRIO FELIZ
Entardecer na Pedra Redonda (foto de Gilmara Gil)
Não costumo fazer festas nos meus aniversários. A única exceção foi aos 21 anos. Minha família morava no bairro Pedra Redonda, numa casa do tio Ivo Weiler com um terreno que ia da avenida Coronel Marcos até a beira da praia, no rio Guaíba.
Comprei muito salsichão, pãezinhos e garrafões de vinho e convidei os amigos e colegas a aparecerem, no fim da tarde. A churrasqueira ficava perto da praia, e ficamos ali, assando e comendo salsichões, com pão e vinho, conversando, e cantando ao som do meu violão. A noite avançava e a festa ficava cada vez mais animada.
Sei de alguns namoros que começaram ali. O lugar convidava para beijos e abraços.
Lá pelas tantas, alguém notou a falta do Arturzinho - Artur Borba, já falecido. Começamos a procurar, a gritar."Artur, Artuuuur". Num momento de silêncio, ouvimos a voz dele, vinda do rio, no escuro, cantando "navegar é preciso, viver não é preciso", um sucesso de Caetano Velloso da época.
Artur havia pegado a minha canoa de alumínio e remado rio adentro. A chegada foi patética. Com todos nós reunidos na beira da praia, ele remou até a canoa encostar na beira. Bêbado, ele se desequilibrou a caiu de cara na areia.
Gargalhadas gerais.
E a festa continuou até amanhecer.
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