domingo, 7 de setembro de 2014

VALLE DEL CHOTA, EQUADOR

UM PEDAÇO DA ÁFRICA NOS ANDES

Em maio de 1972 viajei em companhia do poeta Pedro Port de Otavalo, no Equador, até Tulcán, na fronteira com a Colômbia.   
 No caminho passamos por um vale onde, em vez do frio e da aridez do altiplano, havia calor tropical e plantações de bananas, e café; em vez dos indígenas com seus ponchos e roupas coloridas, negros vestidos com roupas de algodão. 
Um pedaço da África em plena cordilheira dos Andes.
Quatro décadas depois, Pedro descreveu a experiência neste poema:  



VALLE DEL CHOTA

Pedro Port

(Para Clovis Heberle) 

Duas, três, quatro ou sete,
sabe-se lá, não existiam
registros,
digamos: de cinco a dez gerações
de quilombolas
ali sobreviveram.
Consta que foram trazidos
pelos espanhóis no século XVII,
para suprir mão de obra escrava
nas fazendas de café,
ou, segundo variante republicana
difundida na região,
aí chegaram fugidos
das pegas da escravidão;
arando pedra,
sulcando seco e arenoso solo,
é fato que nele plantaram a póvoa.
Resistiram ao sol, ao vale,
ao vento, ao deserto, à estrada,
ao império, à república;
no árido redil
daquela paisagem africana,
em pleno altiplano,
juntavam seus bois,
com aboios e varas delgadas
tangiam os animais
a beber a tênue água
do rio Chota,
às margens do qual,
como plantas tropicais,
entre bananeiras tenazes,
aqui e ali foram brotando,
com suas eiras de café,
as choupanas de sapé.
Fala-se que encontraram 
o lugar perfeito,
o rincão remoto,
quente como África,
para plantar sua semente,
filhos criar,
livres do cativeiro,
longe das vascas da invernia
inóspita da cordilheira.
Chota é bezerro, cria de cabra,
no criol falado do Senegal,
sugere como topônimo
algo totêmico, um locus
de ritos ancestrais,
de devoções sacrificais;
parado no tempo,
mas cortado pela pan-americana,
confunde-se o lugarejo
com a cor polvorenta da terra,
ninguém nele se detém,
pois é ponto de passagem,
e é cansativa a viagem,
um longo percurso sentado,
dorme-se acordado, escuta-se
o tan tan do batuque,
no caminho de Tulcán.




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Pedro Port e o fotógrafo Mário André Coelho de Souza, o Dedeco, foram meus companheiros na maior parte de uma viagem de oito meses pela América do Sul, entre dezembro de 1971 e agosto de 1972.  Por algum tempo moramos em Otavalo, na "Avenida dos Vulcões, numa casa compartilhada com jovens viajantes norte-americanos e de outros países, e tínhamos que ir até a Colômbia para renovar os vistos de permanência  no Equador. 
 As histórias desta aventura estão no blog Uma Banda pelos Andes. O link:

http://umabandapelosandes.blogspot.com.br




domingo, 31 de agosto de 2014

O MONUMENTO A BENTO GONÇALVES, EM RIO GRANDE






O monumento a Bento Gonçalves, na Praça Almirante Tamandaré, em Rio Grande, não é apenas uma estátua fundida em bronze em homenagem ao maior líder da guerra dos Farrapos, esculpida pelo português Teixeira Lopes. Em sua base de pedra, guarnecido por dois leões de bronze,  está o túmulo de Bento.
Inaugurado em 20 de setembro de 1909, o monumento foi construído por iniciativa dos positivistas gaúchos, que após a proclamação da República, em 1889, precisavam de heróis para exaltar os valores republicanos. Maçom, Bento Gonçalves da Silva encarnava como nenhum outro gaúcho os ideais do novo regime. Seu túmulo não poderia continuar anônimo, num lugar ermo, distante de qualquer cidade importante do Estado.
Enterrado em Pedras Brancas, distrito de Guaíba, onde faleceu em 1847, seu corpo foi exumado em 1850 e levado para a estância Cristal,  de propriedade da família, no interior de Camaquã, atualmente município de Cristal. 
Em 1891, o governo da Província publicou  um decreto propondo a doação dos restos mortais do general ao município que erguesse um monumento-túmulo à altura de sua importância histórica. Os jornais da época publicavam editoriais louvando os feitos do intitulado "Napoleão dos Pampas". Por todo o Estado as comunidades foram convocadas a participar do concurso.
O projeto dos riograndinos, liderados por Alfredo Ferreira Rodrigues, foi o vencedor. A intendência de Rio Grande doou três contos de réis para construir a obra. Outros dois contos de réis foram recolhidos em Porto Alegre, Garibaldi, Uruguaiana, Santa Vitória do Palmar, Santa Maria, Cruz Alta, Vacaria, Santo Amaro, São Francisco de Assis, Dom Pedrito, Quaraí, Júlio de Castilhos, Vacaria, Taquara, Santa Cruz, São Borja, Torres, São Sebastião do Caí, Soledade, Bagé e Rosário do Sul. 
Por ironia, Rio Grande, a mais antiga cidade gaúcha, que abriga o túmulo do herói farroupilha, não aderiu à causa dos rebeldes durante os dez anos (1835 a 1845) que durou o movimento separatista contra o Império.




Vencedor e vencido: no túmulo, o fim  da rebelião dos gaúchos contra o Império é representado por dois leões de bronze


Praça Almirante Tamandaré,  na cidade de Rio Grande, uma das maiores e mais belas do Rio Grande do Sul




Retrato de Bento Gonçalves da Silva exposto no 
Museu Júlio de Castilhos, em Porto Alegre

domingo, 24 de agosto de 2014

FELICIDADE É...



Passear pelo calçadão do Imbé, 
 num belo domingo de sol...



sábado, 16 de agosto de 2014

CEM ANOS ANTES DO SELFIE


  Até a metade do século XX, especialmente no interior, havia o hábito da fotografia familiar anual. Era um acontecimento para o qual todos colocavam suas melhores roupas, e muitas vezes eram as únicas imagens dos pais e avós com seus filhos e netos. 
Esta foto é da família de João Nicolau e Maria Inez Heberle, meus avós paternos, e foi batida lá por 1920 em Boa Vista do Cadeado, distrito de Ijuí, atualmente Augusto Pestana.




Família Orsini, Rio Grande, 1912. 
Sentado, ao centro, Felice Orsini, o patriarca, entre os filhos Cecília e Genésio. 
Atrás, de pé, a matriarca Margarida, entre os filhos José, Marieta, Luís e Ernesto (da esquerda para a direita).
Felice e Margarida são bisavós de Lais Lobato Heberle. 
Luís, o avô materno. 







domingo, 3 de agosto de 2014

O INVERNO DÁ UMA TRÉGUA









Domingo, 3 de agosto de 2014, praia do Imbé.
O inverno dá uma trégua de 24 horas.  

Clique sobre as fotos para ampliá-las


sexta-feira, 25 de julho de 2014

SEDA, A RAINHA DOS TECIDOS








Casaco e colete de seda, bordados, confeccionados na França no século XVIII. 
Em exposição no Museu Metropolitano de Arte
 de Nova York















Há quatro mil anos a seda é a rainha dos tecidos. Naturalíssima, delicada, forte, discretamente brilhante, suave, belíssima, enfim. Trajou reis e rainhas, esteve presente em todas as festas chiques ao longo dos séculos. Viu surgirem, decaírem e desaparecerem gerações de nobres, de burgueses, comerciantes, industriais. Sempre foi um símbolo de poder, de riqueza, de bom gosto.
O segredo da produção do tecido foi mantido em segredo pelos chineses até o período final do Império Romano, quando monges enviados pelo imperador Justiniano até os centros produtores da China trouxeram bichos da seda para Roma. Mesmo assim, por muitos anos a única forma dos europeus  conseguirem seda era trazê-la da China, uma aventura arriscada, cara e muito difícil.
Com a Revolução Industrial, no final do século 19, os tecidos de algodão e lã se popularizaram. 
No século 20 todos os lares de famílias de classe média tinham máquinas de costura, e havia  lojas de tecidos em todas as cidades brasileiras - pelo menos uma filial das Casas Pernambucanas.... 
A revista Burda, especializada em modelos de vestidos com as instruções de como costurar, era leitura obrigatória entre as costureiras e as donas de casa, muitas das quais faziam suas próprias roupas - os cursos de corte e costura faziam parte da educação das moças.
Esta realidade foi mudando com a facilidade de comprar roupas prontas. Mudou a forma de vestir da população. Alfaiates e costureiras tornaram-se cada vez mais raros e caros. Os tecidos sintéticos tornaram os preços ainda mais acessíveis, mas a seda natural mantinha o seu lugar como a preferida para vestidos de luxo. 
Nos últimos anos, as lojas especializadas em tecidos finos, têm fechado suas portas, mesmo em algumas capitais de estados.
 Em maio de 2014, a loja Phoenix, a única que restava em atividade em Porto Alegre, no bairro Moinhos de Vento,  com atendimento personalizado e designer à disposição dos clientes, encerrou suas atividades. 
Uma pena: esta fênix não renascerá das cinzas.  




"Trabalhar com tecido de seda é como cultivar flores", dizia o costureiro parisiense Hubert de Givenchy. Nesta foto de 1982, publicada na revista National Geographic, Givenchy ajusta  a manga do vestido de uma modelo. 
Naquela época, pelo menos a metade dos vestidos de alta costura de Paris eram feitos de seda. 



A ROTA DA SEDA



Caravanas de mercadores transportavam os fardos de seda em caminhos difíceis e perigosos do interior da China até os países da Europa (traços em vermelho).  Apenas depois do século VII navegadores europeus descobriram rotas seguras para chegar pelo sul até onde hoje é o canal de Suez (traços em azul). 

O mapa é da revista National Geographic. 
Clique sobre ele para ampliá-lo.



*** Marco Polo (1254-1324) percorreu a rota da seda e, depois de viver 16 anos na corte do imperador mongol Cublai Cã (ou Khan), voltou para Veneza e narrou suas peripécias em
 O Livro das Maravilhas.   








E tudo começou com uma larva. Ela se desenvolve em amoreiras e escreta mais de um quilômetro de gosma que ao contato com o ar se torna um fio ultra-resistente, destinado a proteger a borboleta em seu casulo....
 O fio, trabalhado por tecelões, se torna o mais nobre dos tecidos. 



Algumas etapas da produção da seda já são feitas por máquinas, mas na essência a transformação dos fios em tecido não mudou muito desde que a imperatriz chinesa Si Ling Shi se deu conta de que podia tecer o filamento de um casulo de bicho-da-seda que havia caído de uma amoreira dentro da sua xícara de chá,
 2.700 anos a.C. 
  Metade da seda produzida no mundo ainda é exportada pela China. Uma das maiores distribuidoras de seda do mundo é a Liberty, de Londres, Inglaterra. O site:  http://www.liberty.co.uk



A SEDA NO BRASIL


Na foto acima do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba,  uma tecelã paranaense prepara os fios para a fabricação do tecido.  

O Brasil também produz seda. Quase toda vem de 29 municípios do noroeste do Paraná, onde mais de quatro mil agricultores plantam amoreiras e recolhem os casulos em pequenas propriedades rurais com área média de 2,5 hectares.  
Uma tecelagem de Londrina  recebe boa parte da produção. 
O restante é mandado para fábricas de São Paulo ou exportado, com o apoio do Instituto Vale da Seda, criado em 2009 em Maringá.   







A loja Phoenix, filial de Curitiba, 



 e a Kotzias, de Florianópolis, são das poucas lojas especializadas em tecidos finos ainda em atividade no Brasil.
 Uma festa para os olhos e a sensibilidade.    



segunda-feira, 14 de julho de 2014