Nos meus tempos de criança, os cachorros não entravam em casa. Tinham suas casinhas no pátio, comiam os restos da comida da família, e, apesar do carinho com que eram tratados, sua importância era limitada a anunciar a chegada de visitantes ou morder os calcanhares de algum intruso. Não se conhecia a expressão pet.
Com o Lord, um york de quatro quilos e pouco, tudo foi diferente. Tinha quatro meses quando, há 14 anos, entrou na nossa casa. A cada dia, uma descoberta.
A primeira: me observava o dia todo, me seguia por todo lado, como uma câmera de vigilância. Entendi: estava memorizando os meus hábitos.
A segunda: com um gesto de roçar as patas na beira da cama até eu acordar, me introduziu à sua rotina, que, claro, começava com uma caminhada matinal.
A terceira: a troca de afetos. Assim como ele me lambe para agradecer a refeição que acabou de ganhar, não dispensa um cafuné, uma palavra de carinho, de encorajamento.
A quarta: definiu nos primeiros dias quem era o papai e quem era a mamãe. Coisas práticas, como passeios e comida, são com o papai. Assustado com raios, trovões? Com a mamãe.
Aprendi que aquele bichinho tem sentimentos, tem personalidade.
Ariano típico, é impulsivo, e age antes de pensar nas consequências. Como no dia em que saltou do meu colo, no carro, sobre o Spike, cachorrinho de uma vizinha, seu arquiinimigo. Apesar de ser um pouco maior, desde aquele dia Spike sempre atravessava a rua ao vê-lo. Sim, os cachorros têm os seus amigos e inimigos. Simpatias e antipatias. E até amores, que perduram por anos.
Nestes últimos anos, cada vez mais cachorrinhos - ou cachorrões - acabam conquistando as famílias que os adotam ou compram para se tornarem filhos, irmãos. E é precido satisfazer suas necessidades, como alimentação especial (precisam de ração, não comem doces nem bebem refri), banho nas petshop a cada semana, vermífugos, anti-pulgas e carrapatos. Surgem problemas de saúde, como nos humanos. O Lord já fez duas ecografias de estômago e acupuntura. E tudo custa caro, pesa no orçamento. Não há planos de saúde para cães e gatos.
Nas férias e viagens mais longas, outro problema: o que fazer com eles?
Por não entenderem que ao trazerem seus bichinhos de estimação para casa, às vezes para agradar o filhinho, assumem um compromisso por mais de dez anos, muitas pessoas acabam abandonando seus pets ou os maltratam tanto que eles acabam adoecendo e morrendo.
Dá pena ver cães de todas as raças vagando pelas ruas em busca de comida e abrigo, mas às vezes eles são menos infelizes do que aqueles que passam os dias sozinhos em apartamentos, à espera de seus "pais", que estão trabalhando ou se divertindo. E nem ao menos deixam a uma televisão ou um rádio ligados para que não se sintam tão sós.
Há também aqueles que descarregam sua raiva e frustração em bichinhos que só querem atenção, comida e distração. Estas vítimas de violência doméstica raramente são socorridas e seus algozes ficam impunes - maus tratos e abandono de animais são crimes inafiançáveis.
Cachorros de qualquer tamanho precisam caminhar, correr, cheirar, encontrar outros bichos.
Adotar ou comprar um animal doméstico não é uma decisão fácil, e não pode ser tomada por impulso. Antes de comprar ou adotar, pense: posso cuidar dele? Tenho condições de pagar suas despesas? O apartamento ou casa onde moro tem espaço suficiente?
Um bichinho não é um brinquedo, para ser usado e descartado.
DUAS HISTÓRIAS REAIS
Sem nome foi trazido por pedreiros que reformaram uma casa. Enquanto durou a obra, ele vivia do lado de dentro da cerca. Latia para as motos, o caminhão de lixo, os outros cães que passavam.
Mas o trabalho acabou, os pedreiros foram embora e ele ficou do lado de fora.
Cachorrinho jovem, dócil, se viu ali, perdido. Se tornou arisco, medroso.
Um dia um vizinho deu a ele uma caixa de papelão para dormir. Depois apareceram tigelas com água e ração. Na semana seguinte, uma espécie de casinha feita com restos de telhas e tijolos.
Sem nome vivia ali, já conformado. Até que sumiu.
Alguém deve ter gostado dele e levado para um lar de verdade.
Esta cachorrinha tinha nome, e nome chique, ao contrário dos cães de rua que, adotados por pessoas condoídas de sua situação, geralmente são chamados de preta, branca, malhado. Ela vivia do lado de dentro da cerca de uma boa casa, na praia do Imbé. Aparentemente tinha uma vida confortável. Aparentemente.
Depois que acabou o verão, a cachorra não tinha qualquer companhia. Seus donos (pais?) vivem num apartamento, em outra cidade, e só apareciam nos fins de semana - e nem todos. Um vizinho, jardineiro, era encarregado de levar-lhe ração e água todos os dias, e à noite trancá-la na garagem para dormir.
Morreu antes de o inverno terminar.
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