A vaidade é um mal que afeta a todos os jornalistas. Ver o nome publicado no jornal, ser reconhecido na rua, ter um cargo de chefia, derrubar uma autoridade com aquela reportagem devastadora são formas de alimentar o ego para suportar tantas horas de trabalho, ganhando salários bem menores do que imaginam nossos amigos de outras profissões.
Em geral, a vaidade é controlável: depois da primeira demissão, ou de alguns anos comendo o pó da estrada, o jornalista se dá conta de que não é tão importante nem infalível quanto pensava. Mas todos conhecemos alguns casos de ególatras incuráveis.
Clóvis Camargo Ott, falecido em janeiro de 2006 aos 61 anos, vítima de acidente vascular cerebral depois de uma longa luta contra uma doença renal, era exatamente o contrário disso. Trabalhou no Diário de Notícias, na Folha da Manhã, para o qual cobriu a Revolução dos Cravos (levante que derrubou a ditadura salazarista, em 1974), no Correio do Povo, na Folha da Tarde e na Zero Hora. Viveu na Europa, atuando em jornais portugueses. Nos últimos anos foi assessor de imprensa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde editava, com outros jornalistas de primeira linha como Juarez Fonseca e Ademar Vargas de Freitas, o excelente Jornal da Ufrgs.
Apesar de ter sido um dos melhores repórteres de sua geração, não estava nem aí para o jogo de aparências que envolve a profissão.
Na Zero Hora, onde trabalhamos juntos na década de 80, ao ver aqueles grupos de visitantes do interior do Estado, costumava murmurar, em meio ao matraquear das máquinas de escrever: "quero pipoca, quero amendoim...", como se fosse um macaco de zoológico.
Achava divertido sermos três Clóvis na redação - ele, o Malta e eu. Nos saudava com um grito de guerra: "Clóvis! Tu chama um e aparecem três - que valem por seis!"
Não era incomum, mesmo à vista de editores ou do diretor, agraciar colegas com um sonoro tapa na bunda - coisa de criança travessa.
Cultivava o hábito de estar sempre ao lado dos amigos, tanto nas horas boas como nas más. Como quando fui demitido da Folha da Tarde, em outubro de 1980. À noite, sozinho em casa, soou a campainha. Era ele, com um garrafão de vinho, para me dar apoio.
Como esquecer um gesto desses? Como esquecer Clóvis Ott?
domingo, 7 de março de 2010
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3 comentários:
: )
Fui colega do Ott na Folha da Manhã, eu quase foca, ainda nem repórter havia sido, apenas um redator, que chamavam de copidésqui na época, 78/79. Formei em 77. Numa noite, saímos do plantão, Ott me convidou pra um vinho. Morava na Borges, em cima do então cinema Lido.
Era pra lá de meia-noite.
Fomos.
No meio da trova, pegou o telefone e ligou: "Otelo (Otelo Saraiva de Carvalho) tem um guri que quer ser comunista aqui. Fala com ele." Otelo disse-me algumas palavras gentis, de bom camarada, embora em Lisboa fosse mais de quatro da manhã, já.
Também lembro de ter o Ott (a quem eu e a Núbia Silveira chamávamos carinhosamente de Otetê) animado uma ação de muitos aqui na cidade pra arrancar Flávio Koutzii do cárcere castelhano.
Bom camarada o Clóvis Ott.
Bom jornalista. Amigo de grande coração.
Bela lembrança Heberle!
Vivam os Clóvis!
Valeis por seis.
Terno abraço.
Caríssimo amigo,fico feliz e emocionado pelo teu amável comentário. Tenho certeza de que cada um de nós que conviveu com o Ott tem depoimentos comoventes a dar sobre ele. E, se começarmos a puxar pela memória,quantos bons companheiros já perdemos nesta jornada. O Manosso, o Figueredo, a Tânia Krutska, o Remi Baldasso, a Alda Souza, o Eridson, o Delmar, o Beto Andreatta, o Tuio Becker.
Mesmo neste blog de poucos leitores, ainda vou escrever sobre cada um deles.
Gostei do terno abraço. Outro pra ti!
Clovis
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