terça-feira, 22 de abril de 2008

SUGAR BLUES


Para Billie Holiday,
cuja morte mudou minha vida,
e
Gloria Swanson,
cuja vida mudou minha morte.



William Dufty











O AMARGO SABOR DO AÇÚCAR

O jornalista norte-americano William Dufty era um viciado típico em açúcar. Obeso, sofria de vários problemas de saúde, da gastrite a dores de cabeça. Os remédios que tomava aliviavam os efeitos, mas nem ele nem os médicos se davam conta de que a solução seria atacar a causa. Até que um dia, na década de 60, conheceu a atriz Gloria Swanson, num coquetel para a imprensa, em Nova Iorque. Ao vê-lo adoçar o café, disse, suavemente: “Esta coisa é um veneno”.

Foi o início de uma relação que acabou em casamento. Dufty se deu conta de que era viciado. Ao abandonar o açúcar e adotar uma dieta à base de cereais integrais, recuperou a saúde e, em cinco meses, passou de 102 para 67 quilos. Daí para a frente, sua vida mudou completamente. Passou a pesquisar o tema e publicou o livro Sugar Blues, em que, com ironia e sarcasmo, denunciou os efeitos deavastadores do açúcar sobre a saúde e a benevolência com que a indústria de refino do produto e seus derivados foi tratada ao longo dos séculos pelos governos e pelas sociedades de medicina, mais preocupados em manter os seus ganhos bilionários com os impostos e com o tratamento dos doentes.
Em 1975 William e Gloria visitaram o Brasil, a convite de uma rede de televisão. Os anfitriões se decepcionaram. Na primeira entrevista coletiva que deu, a consagrada atriz norte-americana desdenhou as perguntas sobre cinema e fofocas do show business para se concentrar na campanha de esclarecimento sobre as conseqüências desastrosas do consumo de açúcar industrializado que vinha desenvolvendo em todas as suas aparições públicas nos Estados Unidos.

Foi a única chance que teve. Confinada numa suíte do hotel Nacional, no Rio de Janeiro, a dupla concedeu longas entrevistas que nunca foram ao ar. Assim como hoje, as indústrias de refrigerantes e alimentos açucarados eram grandes patrocinadores dos programas de televisão, e os empresários não queriam correr o risco de perdê-los.
No mesmo ano, a editora Ground lançou Sugar Blues no Brasil. O título do livro, imitando a logotipia de Coca Cola, me chamou a atenção, na Associação Macrobiótica de Porto Alegre, a macrô, onde costumava almoçar. Depois de lê-lo, abandonei o hábito de consumir açúcar e doces.

Em 2007, a editora Ground reeditou o Sugar Blues. Afinal, a realidade de hoje – e a ignorância sobre os efeitos nocivos do açúcar - não é muito diferente daquela descrita por Dufty há quarenta anos. Vale a pena ler. É um livro pode mudar a sua vida – para melhor.




Campanha contra o açúcar, na década de 70: Gloria Swanson e William Dufty jogam o produto no lugar mais apropriado: a lixeira.


Cultivada nos vales quentes da Índia, a cana de açúcar era consumida em forma de suco. Historiadores gregos e romanos se referem também a “mel sem abelhas” (melado) e “sal indiano” (suco solidificado), trazidos por exploradores em pequenas quantidades e usado para fins medicinais. Foi Dioscorides, escritor romano da época de Nero, quem deu ao produto seu nome latino: saccharum.
Invasores persas levaram mudas de cana para seu país, e cientistas da Universidade de Djondisapour desenvolveram o processo de solidificação e refino do suco para que, de forma sólida, pudesse ser transportado sem fermentar. 

Quando o Império Persa sucumbiu diante do exército Islâmico, uma das mais preciosas presas de guerra foi o segredo de transformar suco de cana em saccharum. Os árabes adotaram o açúcar na sua dieta, e levaram mudas de cana para plantar nos países conquistados – a Espanha entre eles.
O hábito de comer açúcar foi introduzido na Europa pelos cruzados. Eles voltavam da Terra Santa encantados com aqueles torrões doces que eliminava a fadiga e os deixavam cheios de energia. Os árabes acabaram sendo expulsos da Espanha, deixando para trás seus canaviais e a doce novidade.
Descoberta a América, enormes áreas de terras do Brasil, da América Central, do Caribe e outros territórios tropicais ocupados por portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e holandeses foram usadas para o plantio de cana, com a devastação da mata nativa. Com a bênção papal – uma Bula de 1455 autorizava os católicos a “atacar, subjugar e reduzir à escravidão os sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo” - , africanos foram escravizados para trabalhar nos canaviais. Os índios foram praticamente exterminados, por não se adaptarem a um trabalho tão pesado. A mão-de-obra para o cultivo de cana foi responsável por dois terços dos 20 milhões de africanos escravizados entre os séculos 16 e 19.
Traficar negros, plantar cana, refinar açúcar e comercializar o produto na Europa e na América do Norte se tornou um negócio bilionário. Governos e empreendedores privados se lançaram numa corrida alucinada para satisfazer a voracidade cada vez maior dos europeus. Com o aumento da produção, caíram os preços, e comer alimentos açucarados – antes um vício caríssimo, restrito à nobreza - se tornou hábito entre todas as classes sociais das cidades européias. Aumentaram também, na mesma proporção, as mortes por doenças antes raras ou até desconhecidas, como a diabete. 

Em 1880, os dinamarqueses consumiam 14,5 quilos de açúcar refinado por ano. A média de mortes por diabetes era de 1,8 por 100 mil.
Em 1911, o consumo subiu para 41 quilos por pessoa. A média de mortes subiu para 8 por 100 mil.
Em 1934 o consumo era de 57 quilos por ano. A média de mortes foi de 18,9 por 100 mil.

Os dados são do ministério da Saúde da Dinamarca. 





William Dufty (1916-2002) nasceu no Michigan. Cursou a Universidade de Wayne e trabalhou como colunista e produtor de rádio. Carismático, escreveu para vários jornais entre eles o New York Post. Em 1950, trabalhou com sua grande amiga e famosa cantora de Jazz Billie Holliday, com quem criou a conhecida biografia “Lady Sings the Blues”. Casou com Glória Swanson, diva hollywoodiana da década de 1920 e grande ativista da saúde, e juntos empreenderam uma cruzada contra os males do açúcar. Em 1975 publicou Sugar Blues que rapidamente se tornou um sucesso com mais de um milhão de cópias vendidas.




3 comentários:

Lesia disse...

Porisso és tão em forma,Clóvis Heberle? Consegues manter o físico assim com a alimentação macro que usas?

Lesia disse...

Esqueci de comentários o texto: excelente, como sempre, mas as letrinhas azul claro, que trabalhão para ler!

Clovis Heberle disse...

Lesia, minha amiga, sempre generosa nos comentários: dei uma melhorada nas letrinhas. Valeu o toque.Quanto à alimentação: sou o único cara que eu conheço que gosta de comida macrô, e sinto muita saudade dos tempos que eu almoçava diariamente no resaurante da Associação Macrobiótica, na Marechal Floriano. Mas não sou fanático. Faço churrasco de vez em quando, e até ataco um xis. Mas normalmente procuro evitar o que me faz mal e engorda, e comer o que me faz bem. Simples assim! Beijos