domingo, 21 de setembro de 2014

O HOTEL GLÓRIA E O RIO




Ir ao Rio de Janeiro era sempre uma alegria, que começava na janela do avião, com a visão dos morros, do mar, das praias. Uma paisagem maravilhosa.
A cidade tinha aquele clima de descontração, de festa. Parecia que todos estavam se divertindo, mesmo os vendedores de biscoito e mate gelado na beira da praia. 
Qualquer programa valia o dia: beber um chope ou um suco natural de pé, num boteco de esquina, ou naqueles bares de Ipanema (alguém conheceu o Bofetada?) e do Leblon,  ir ao teatro, circular pelas butiques da  Pirajá, tomar um chá da tarde na Confeitaria Colombo, apreciar o entardecer no terraço do Hotel Glória, ver a árvore de Natal na Lagoa, ouvir cantos gregorianos no Mosteiro de São Bento, caminhar no calçadão de Copacabana,  subir o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Pedra da Gávea. Ah, e reencontrar os amigos gaúchos.  
Mas veio o primeiro assalto, o segundo, o terceiro... e o encanto se foi. Virei um alvo por ter cara de gringo. 
Há anos não volto lá, e pelo que vejo, as coisas não melhoraram muito, com exceção daqueles períodos como a Copa do Mundo, quando o Exército baixa com tudo e bota ordem no galinheiro.   
O artigo abaixo, escrito por um carioca, resume o meu sentimento em relação ao Rio. É sobre o Hotel Glória, um símbolo da cidade que, como tantas outras coisas, ficou no passado. 



O Rio mereceu Eike


LUIZ FERNANDO VIANNA

RIO DE JANEIRO - Dá raiva passar em frente ao Hotel Glória. Ou ao que era o Hotel Glória. Raiva de Eike Batista, mas não só. Raiva do Rio de Janeiro. Aqueles escombros são o reflexo do que nós, cariocas, deixamos nos tornar.
O Glória foi inaugurado em 1922 com o status de hotel mais luxuoso da América do Sul --o Copacabana Palace surgiria no ano seguinte. Primeiro prédio construído no continente em concreto armado, é um primor de beleza em estilo neoclássico.
Vizinho do Palácio do Catete e do centro da cidade, foi endereço de políticos brasileiros, autoridades internacionais, artistas importantes, celebridades mundanas. Tem uma história.
Em 2008, Eike Batista comprou o Glória por R$ 80 milhões. Queria transformá-lo num hotel seis estrelas. Arrumou dinheiro no BNDES e começou a demolir tudo, preservando apenas a fachada tombada. Arrasou um teatro, os quartos, jogou fora os móveis e quase 90 anos de tradição.
Falido, fechou a porta do cenário apocalíptico, repassou o terreno para um fundo suíço e foi embora ser classe média --após, pai exemplar, repassar sua fortuna aos filhos.
Eike representa o capital especulativo, corrosivo, que não tem compromisso com nada que não seja o ganho imediato, sem respeitar passado ou futuro. É a força da grana que apenas destrói coisas belas.
Recebedor de licenças ambientais e incentivos do Estado, cedia seu jatinho para o governador Sérgio Cabral passear, numa promiscuidade incrivelmente (até para os padrões brasileiros) impune.
Durante seu império efêmero, foi bajulado por toda a servil cidade, incluindo artistas --que iam a ele mendigar patrocínios-- e jornalistas. Era um banqueiro de bicho janota, um agrocoronel poliglota.
O cadáver do Glória indica que o Rio fez por merecer Eike.














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