domingo, 4 de agosto de 2013

UM OUTRO OLHAR SOBRE MAQUIAVEL




"Nenhum epitáfio pode fazer juz a tão grande nome"






(Inscrição na lápide de Maquiavel, nascido em Florença em 1469 e falecido na mesma cidade em 1527)



Nicolau Maquiavel se tornou conhecido pelo seu primeiro livro, O Príncipe, no qual derruba os biombos da hipocrisia ao defender que um governante, para chegar ao poder e se manter nele, deve, às vezes, abrir mão de seus princípios éticos e morais, e recorrer até mesmo a meios cruéis, como a eliminação física de seus inimigos. Todos os políticos faziam isso, mas sempre havia justificativas nobres. Nenhum filósofo ou historiador tinha coragem de admití-lo abertamente. Por causa disso, a má fama de Maquiavel chegou a tal ponto que ele  gerou um adjetivo: maquiavélico,  sinônimo de dissimulado, sem escrúpulos, enganador.  
 Mas este é apenas um aspecto do grande pensador da Renascença, um homem de educação refinada que dos 29 aos 41 anos de idade integrou a cúpula da administração de Florença como diplomata e conselheiro político, até o principado ser invadido por tropas espanholas aliadas ao papa que recolocaram a família Médici no poder.  
 Quentin Skinner, professor de História Moderna da Universidade de Cambridge, Inglaterra, lança um novo olhar sobre a obra do florentino em Maquiavel (editora LPM, 119 páginas). Analisa, com equilíbrio e riqueza de detalhes, cada um de seus três livros: O Príncipe, escrito na tentativa de mostrar aos Médici  que tinha conhecimentos sobre a arte de governar para justificar sua volta ao emprego, depois de ter sido preso e demitido; 
Discursos, um estudo focado na história de Roma, sua origem, apogeu e decadência, e A História de Florença, escrito anos mais tarde por encomenda dos Médici, que o perdoaram parcialmente. Neste, o tema dominante é a corrupção: descreve como ela tomou conta de Florença, estrangulou sua liberdade e conduziu o principado à tirania e à desgraça.  
 Maquiavel passou o resto da vida estudando história e escrevendo. Em sua obra literária analisa a sociedade do início do século 16, marcada pela violência, a corrupção e a dissolução moral, da qual nem os papas estavam livres - muito pelo contrário.
O historiador  inglês tem o cuidado de contextualizar a época, discorrendo sobre aquela fase da história em que a Europa iniciava o Renascimento depois da queda do Império Romano e séculos de obscurantismo medieval.
A Itália era composta de principados e pequenos reinos que ora guerreavam entre si, ora enfrentavam poderosos inimigos externos como a França e a Espanha e o próprio Papado, que governava Roma e boa parte do território italiano.
Para Maquiavel, só com boas leis e governantes corretos, que priorizassem o bem comum  e não os seus interesses pessoais, um país poderia ser próspero e independente. Se, ao contrário, os políticos no poder cedessem às suas ambições, favorecendo as facções a que pertenciam e se aproveitando dos cargos para enriquecer, a decadência e a ruína seriam certas.

As lições de Maquiavel

 Conselhos aos príncipes:
 - As principais fundações de todos os estados são boas leis e bons exércitos. Aliás, bons exércitos são ainda mais importantes que boas leis.
- Um príncipe sábio será guiado acima de tudo pelos ditames da necessidade: se deseja manter o poder, ele deve  estar sempre preparado para agir imoralmente quando for necessário. Faz o bem quando pode, mas frequentemente será obrigado pela necessidade a agir de modo traiçoeiro, impiedoso ou desumano.  Ele deve alterar sua conduta quando os ventos da fortuna e a variação das circunstâncias o forçarem a isso.

Virtudes x Sorte
Para ser bem sucedido um governante deveria ter fortuna (boa sorte) e virtù, um termo criado por ele para significar qualidades pessoais como coragem, bom senso, honestidade, capacidade de entender as mudanças.
A virtú compensaria os períodos de má sorte, mas uma pessoa sem qualidades que chegasse a altas posições na sociedade não resistiria à mudança da maré. 

Liberdade x tirania
- A experiência mostra que as cidades nunca aumentaram seus domínios ou suas riquezas  exceto quando estavam em liberdade.
- Tão logo uma tirania se estabelece sobre uma comunidade livre o primeiro mal resultante é que estas cidades não crescem mais em poder ou riquezas mas, na maioria dos casos, retrocedem.

Corrupção, o mal maior
- Os homens, em sua maioria, são mais propensos ao mal do que ao bem. Por conseguinte, tendem a ignorar os interesses da comunidade a fim de agir de acordo com suas disposições malévolas sempre que têm campo livre.
- O começo da corrupção é a perda ou dissipação da preocupação com o bem comum, um processo de degeneração que se desenvolve no corpo dos cidadãos ou, pior, quando os governantes começam a promover suas ambições pessoais  ou de suas facções, em detrimento do interesse público.
- Nos regimes corruptos, há uma tendência para a elaboração de leis e instituições físicas não para o proveito comum e sim para vantagens individuais ou sectárias.

   Em sua análise sobre a corrupção, Maquiavel adverte para o perigo dos métodos escusos usados  para a conquista e manutenção do poder. Um deles  é "fazer favores a vários cidadãos, defendendo-os dos magistrados, auxiliando-os com dinheiro e ajudando-os a conseguir cargos imerecidos".
  O outro é "agradar as massas com divertimentos e donativos públicos, montando exibições caras de natureza calculada para ganhar uma popularidade expúria e entreter o povo, que abre mão de suas liberdades".
   Como vemos, os políticos  de 500 anos atrás não eram muito diferentes dos atuais.
  
  


 
    




        

Nenhum comentário: