"Nenhum epitáfio pode fazer juz a tão grande nome"
(Inscrição na lápide de Maquiavel, nascido em Florença em 1469 e falecido na mesma cidade em 1527)
Nicolau Maquiavel se tornou
conhecido pelo seu primeiro livro, O Príncipe, no qual derruba os biombos da hipocrisia ao defender que um governante, para chegar ao poder e se manter nele, deve, às vezes, abrir mão de seus princípios éticos e morais, e recorrer até mesmo a meios cruéis, como a eliminação física de seus inimigos. Todos os políticos faziam isso, mas sempre havia justificativas nobres. Nenhum filósofo ou historiador tinha coragem de admití-lo abertamente. Por causa disso, a má fama de Maquiavel chegou a tal ponto que ele gerou um adjetivo: maquiavélico, sinônimo de dissimulado, sem escrúpulos, enganador.
Mas este é apenas um aspecto do grande pensador da Renascença, um homem de educação refinada que dos 29 aos 41 anos de idade integrou a cúpula da administração de Florença como diplomata e conselheiro político, até o principado ser invadido por tropas espanholas aliadas ao papa que recolocaram a família Médici no poder.
Quentin Skinner, professor de História Moderna da Universidade de Cambridge, Inglaterra, lança um novo olhar sobre a obra do florentino em Maquiavel (editora LPM, 119 páginas). Analisa, com equilíbrio e riqueza de detalhes, cada um de seus três livros: O Príncipe, escrito na tentativa de mostrar aos Médici que tinha conhecimentos sobre a arte de governar para justificar sua volta ao emprego, depois de ter sido preso e demitido;
Discursos, um estudo focado na história de Roma, sua origem, apogeu e decadência, e A História de Florença, escrito anos mais tarde por encomenda dos Médici, que o perdoaram parcialmente. Neste, o tema dominante é a corrupção: descreve como ela tomou conta de Florença, estrangulou sua liberdade e conduziu o principado à tirania e à desgraça.
Maquiavel passou o resto da vida estudando história e escrevendo. Em sua obra literária analisa a sociedade do início do século 16, marcada pela violência, a corrupção e a dissolução moral, da qual nem os papas estavam livres - muito pelo contrário.
O historiador inglês tem o cuidado de contextualizar a época, discorrendo sobre aquela fase da história em que a Europa iniciava o Renascimento depois da queda do Império Romano e séculos de obscurantismo medieval.
A Itália era composta de principados e pequenos reinos que ora guerreavam entre si, ora enfrentavam poderosos inimigos externos como a França e a Espanha e o próprio Papado, que governava Roma e boa parte do território italiano.
A Itália era composta de principados e pequenos reinos que ora guerreavam entre si, ora enfrentavam poderosos inimigos externos como a França e a Espanha e o próprio Papado, que governava Roma e boa parte do território italiano.
Para Maquiavel, só com boas leis e governantes corretos, que priorizassem o bem comum e não os seus interesses pessoais, um país poderia ser próspero e independente. Se, ao contrário, os políticos no poder cedessem às suas ambições, favorecendo as facções a que pertenciam e se aproveitando dos cargos para enriquecer, a decadência e a ruína seriam certas.
As lições de Maquiavel
Conselhos aos príncipes:
- As principais fundações de todos os estados são boas leis e bons exércitos. Aliás, bons exércitos são ainda mais importantes que boas leis.
- Um príncipe sábio será guiado acima de tudo pelos ditames da necessidade: se deseja manter o poder, ele deve estar sempre preparado para agir imoralmente quando for necessário. Faz o bem quando pode, mas frequentemente será obrigado pela necessidade a agir de modo traiçoeiro, impiedoso ou desumano. Ele deve alterar sua conduta quando os ventos da fortuna e a variação das circunstâncias o forçarem a isso.
Virtudes x Sorte
Para ser bem sucedido um governante deveria ter fortuna (boa sorte) e virtù, um termo criado por ele para significar qualidades pessoais como coragem, bom senso, honestidade, capacidade de entender as mudanças.
A virtú compensaria os períodos de má sorte, mas uma pessoa sem qualidades que chegasse a altas posições na sociedade não resistiria à mudança da maré.
Liberdade x tirania
- A experiência mostra que as cidades nunca aumentaram seus domínios ou suas riquezas exceto quando estavam em liberdade.
- Tão logo uma tirania se estabelece sobre uma comunidade livre o primeiro mal resultante é que estas cidades não crescem mais em poder ou riquezas mas, na maioria dos casos, retrocedem.
Corrupção, o mal maior
- Os homens, em sua maioria, são mais propensos ao mal do que ao bem. Por conseguinte, tendem a ignorar os interesses da comunidade a fim de agir de acordo com suas disposições malévolas sempre que têm campo livre.
- O começo da corrupção é a perda ou dissipação da preocupação com o bem comum, um processo de degeneração que se desenvolve no corpo dos cidadãos ou, pior, quando os governantes começam a promover suas ambições pessoais ou de suas facções, em detrimento do interesse público.
- Nos regimes corruptos, há uma tendência para a elaboração de leis e instituições físicas não para o proveito comum e sim para vantagens individuais ou sectárias.
Em sua análise sobre a corrupção, Maquiavel adverte para o perigo dos métodos escusos usados para a conquista e manutenção do poder. Um deles é "fazer favores a vários cidadãos, defendendo-os dos magistrados, auxiliando-os com dinheiro e ajudando-os a conseguir cargos imerecidos".
O outro é "agradar as massas com divertimentos e donativos públicos, montando exibições caras de natureza calculada para ganhar uma popularidade expúria e entreter o povo, que abre mão de suas liberdades".
Como vemos, os políticos de 500 anos atrás não eram muito diferentes dos atuais.
Como vemos, os políticos de 500 anos atrás não eram muito diferentes dos atuais.
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