Todas as religiões pregam a compaixão, o amor ao próximo, a generosidade, a caridade. Mas receber um presente, uma ajuda, é, muitas vezes, causa de ressentimento. A pessoa que recebe se sente inferiorizada, humilhada, e chega a sentir raiva do benfeitor, por mais necessitado de apoio que esteja. Quem dá, esperando um agradecimento, nem que seja um sorriso, acaba frustrado. Não consegue entender como um gesto de grandeza, de despreendimento, possa gerar uma reação oposta ao que seria natural.
Paradoxalmene, foi entre habitantes da Polinésia e indígenas do noroeste americano que os pesquisadores das relações humanas vislumbraram, no século 19, sociedades onde o gesto de dar e receber era praticado com naturalidade e alegria. Nessas comunidades primitivas, a dádiva e a retribuição do presente recebido era uma forma de troca de energia, parte do código de honra de cada pessoa.
Paradoxalmene, foi entre habitantes da Polinésia e indígenas do noroeste americano que os pesquisadores das relações humanas vislumbraram, no século 19, sociedades onde o gesto de dar e receber era praticado com naturalidade e alegria. Nessas comunidades primitivas, a dádiva e a retribuição do presente recebido era uma forma de troca de energia, parte do código de honra de cada pessoa.
Em Ensaio sobre a Dádiva (no original, Essai sur le don), o antropólogo francês Marcel Mauss descreve e analisa o fenômeno, num livro editado pela primeira vez em 1923 e que até hoje é leitura obrigatória para os estudiosos de antropologia, sociologia e psiquiatria.
Mauss descreve o costume dos polinésios de deixarem as suas ilhas com as canoas carregadas de presentes para visitar habitantes de outras ilhas. Levavam o que tinham de melhor e mais bonito, de alimentos a objetos de artesanato. Eram recebidos com festas e voltavam com dádivas dos seus vizinhos. Se os visitados não tinham nada a oferecer, ficavam com o compromisso de retribuir numa outra ocasião. Não se travata de comércio, e sim um princípio moral, com o objetivo de estabelecer um sentimento amigável entre as pessoas. Nenhum presente oferecido podia ser recusado. Todos tentavam ultrapassar-se uns aos outros em generosidade. Nas ilhas Samoa, nas ilhas Fiji, tudo - comida, bens, talismãs, solo, trabalho - eram matéria de transmissão e de entrega.
Entre as tribos da costa noroeste da América do Norte, o inverno era um período de festas e confraternização, motivadas pelo potlatch. Em essência, eram três obrigações: dar, receber e retribuir. Durante os longos períodos de frio intenso, uma tribo deslocava-se até territórios vizinhos para compartilhar com o que a outra tribo havia acumulado em caçadas, pescas e coletas durante o verão. Era uma questão de prestígio para cada chefe oferecer aos visitantes o que tinha de melhor, nem que todas as suas provisões fossem consumidas na demonstração de hospitalidade. Ele sabia que depois seria a vez de seu povo receber o mesmo tratamento.
Nestes tempos de tanto materialismo, inveja e egoísmo, o exemplo dos aborígenes de séculos passados acaba sendo uma bússola a indicar que as relações humanas não precisam ser assim. Quem sabe, um dia, damos um salto ao passado e reaprendemos a presentear, receber e agradecer com alegria?
"Os homens generosos e valorosos
têm a melhor das vidas;
não têm qualquer receio.
Mas um poltrão tem medo de tudo;
o avarento tem sempre medo dos presentes."
Estrofe do Havamál, poema da Eda, que reune as tradições lendárias e mitológicas dos povos escandinavos.
"Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o Homem."
Mark Twain
"Com um sorriso hei de pagar."
Noel Rosa
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