É inegável o direito de um ser humano que foi torturado por agentes de um governo pedir - e ganhar - indenização pelo que sofreu, pelos danos à sua vida, à sua saúde, ao seu futuro. Mais difícil é mensurar de quanto deve ser a indenização. Só levou um tapa? Xis reais. Porradas? xis mais 30%. Pau de arara? Dobra o pagamento.
Muitos presos políticos brasileiros estão ganhando valores em dinheiro por terem sido presos, torturados ou simplesmente perdido empregos por terem combatido a ditadura militar brasileira. Merecidamente ou não - um bom escritório de advocacia pode ser a diferença entre um pedido negado e outro aceito - não se pode deixar de pensar que se o Chile e a Argentina, onde milhares de pessoas foram torturadas, mortas ou simplesmente desapareceram, fossem indenizar a todos que merecem, uma grande parte dos impostos arrecadados iriam para o pagamento das vítimas das ditaduras. E a Alemanha, onde as vítimas do nazismo foram milhões? Como reerguer a economia do país depois da guerra?
Há 40 anos, no dia 6 de agosto de 1971, os jornalistas Luiz Fernando Montenegro Valls e sua companheira Alda Souza, militantes do POC, Partido Operário Comunista, foram presos na casa onde moravam. Torturados com todos os requintes de crueldade, ficaram com as sequelas da dor e da humiliação levada a extremos inimagináveis. Libertados, seguiram suas vidas, voltaram a trabalhar, fizeram sucesso em suas carreiras prossionais.
Alda morreu em setembro de 1996, e não é ilógico supor que os traumas das torturas não tivessem contribuído para a sua doença e morte. Um ano depois foi aprovada uma lei estadual que instituía a indenização às vítimas de tortura no Rio Grande do Sul. Na época, Valls questionou a lei numa carta aberta, recusando qualquer recompensa. Apesar de sua clareza e agudo senso crítico, a carta foi engavetada pelos editores, que perderam uma excelente oportunidade de levar o debate à opinião pública.
Em 2002, o Congresso Nacional aprovou por unanimidade a lei 10.449, conhecida como Bolsa Ditadura, para reparar danos causados aos brasileiros pelo regime militar. Já foram distribuídos R$ 2,5 bilhões, e a discussão sobre o tema continua atual, assim como a carta de Valls, que faz questão de deixar claro que não era - e não é - contra a lei.
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À COMISSÃO ESPECIAL DE INDENIZAÇÃO AOS EX-PRESOS POLÍTICOS
Avenida Sete de Setembro, 666, 1º andar
PORTO ALEGRE – RS
Caros companheiros,
fui preso sem mandado judicial na noite de sexta-feira, dia 6 de agosto de 1971, juntamente com minha esposa e outros companheiros que se encontravam em minha casa, na avenida Brino, Porto Alegre, por uma equipe do DOPS chefiada pelo investigador Antonio Goulart (dito Tonho ou Catarina). Na seqüência de minha prisão, os interrogatórios no DOPS, executados por Pedro Seelig, Nilo Hervelha e seus asseclas seguiram o padrão de todos conhecido: os presos se negaram a prestar informações e foram submetidos a choques elétricos, pancadas, pau-de-arara, além de tortura psicológica de variada espécie. Comigo não foi diferente, nem com os demais companheiros.
Hoje, vinte e sete anos depois, o Estado do rio Grande do Sul aceita indenizar presos políticos que apresentem seqüelas de maus tratos físicos ou psicológicos provocados por agentes estaduais. Pois eu não peço indenização alguma.
A lei estadual 11.042/97 é discriminatória ao prever indenização apenas aos que foram torturados por motivos políticos. Lembro muito bem os gritos de dor que subiam do xadrez da Delegacia de Furtos e Roubos e devo prestar minha solidariedade aos excluídos, pretos, pobres e prostitutas torturados um andar abaixo dos mais bem nascidos.
Com esta lei, o Estado reconhece que seus agentes torturaram. A partir daí, indenizações eventualmente merecidas pelas vítimas deveriam ser estabelecidas pelo Judiciário, e não por uma comissão de caráter político-administrativo. A lei poderia estipular um rito acelerado para as ações indenizatórias. Mas, ao contrário, nega o direito à indenização para aqueles que recorreram à Justiça, pretendendo forçar um acordo sem apreciação do Judiciário.
Se condiciona a indenização à existência de seqüelas, o Governo do Rio Grande do Sul não pretende reparar o erro de haver torturado. Torturas são feitas para obter informações em curto prazo, sem deixar marcas, e seguem sendo o método mais usual de investigação policial neste país. Se o torturador errou e aleijou um companheiro meu, não posso concordar que siga manquitolando vida a fora, contra o pagamento de apenas R$ 30 mil. Ou, se a manqueira for menos evidente, com um desconto de 50%.
O que é seqüela? Será a emoção que sinto ao lembrar a companheira enlouquecida pela tortura, sem saber mais seu próprio nome? Ou o companheiro enfraquecido a pau, tomando soro sem ter revelado sequer seu endereço pessoal? Para mim, esta emoção é um sentimento próprio do ser humano, que usarei por toda a vida para combater os que torturam, os que chefiam os torturados, os que usufruem o poder respaldados pela tortura, e os que se aliam a estes e aqueles.
Acho conveniente que se saiba quantos foram torturados e quais as seqüelas daí resultantes. Incluam-me nesta lista. Mas, pelos motivos acima, recuso-me a subscrever qualquer requerimento baseado na lei 11.042/97.
Atentamente
Luiz Fernando Montenegro Valls
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domingo, 31 de julho de 2011
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2 comentários:
Minha carta, tantos anos depois, ainda tem alguma atualidade. Não critico quem pede indenização, baseada nas leis de reparação, mas não quero um tostão. O que quero é uma Comissão da Verdade, que apure todos os fatos ocorridos, mesmo sem punições. A verdade liberta.
Sigo estranhando que só se fale da tortura contra os filhos da classe média, brancos, universitários, no período da ditadura. A TORTURA SEGUE SENDO PRATICADA DIARIAMENTE NAS DELEGACIAS DE POLÍCIA DESTE PAÍS. OS PRESÍDIOS SÃO CALABOUÇOS PIORES QUE AS SENZALAS MAIS DESUMANAS.
Observação final: Bolsa Ditadura é a pensão que o Amaral de Souza recebe por ter sido interventor no Rio Grande do Sul. Quem quiser usar esta denominação tão graciosa deve antes criticar as pensões que o contribuinte dá às filhas inuptas dos militares.
Por um Brasil menos concentrador, menos excludente, menos patrimonialista,
Luiz Valls
JULGADO RECURSO/ACAO - Decisão: "A TERCEIRA TURMA, POR UNANIMIDADE.
Em 28 de julho de 2011, a Justiça Federal resolveu dar provimento, por unanimidade à apelação de um cidadão brasileiro, amigo particular da equipe do VERDENOVO.NET, que lutou contra a ditadura, foi preso e torturado, guardando sequelas até hoje.
Cidadão nordestino de Pernambuco, hoje morando em São Paulo, técnico em informática, enfrentou a ditadura com coragem, como poucos o fizeram. Por que publicar aqui seu desabafo? Para que sirva de exemplo de coragem, de persistência, de perseverança, e de pessoa que ontem lutou contra a ditadura, e hoje luta contra o preconceito, fazendo de suas origens seu próprio escudo.
Pena, amigo e companheiro, que não estejamos perto para um abraço fraterno e afetuoso que enviamos à distância. Parabéns pelas muitas lutas que ainda não terminaram.
Com alegria incontida, após 45 anos da tortura, ele, Espedito de Freitas, um dos responsáveis pela liberdade e democracia que vivemos hoje, extravasa em mensagem.
E, hoje com tantos políticos e coronéis como o Gilmar Mendes do suplemo e executores de torturas e tirânias dos corruptos. Não posso deixar de cobrar os meus direitos na justiça!
E. Freitas
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