Repórteres puro-sangue têm horror à monotonia. O ar condicionado da redação os deixa irritadiços, mal humorados. Só melhoram ao chegar à rua, ou, melhor ainda, à estrada. Qualquer pauta para eles é candidata a manchete - mesmo um singelo alagamento de uma rua de subúrbio pode esconder alguma falcatrua, algo inusitado, um drama humano. Sempre há uma boa história para contar. Diante de qualquer entrevistado – de um servente de pedreiro ao Presidente da República, a sua postura é a mesma: “este sacana está querendo me enrolar”.
Repórteres puro sangue são capazes de furungar durante meses em cima de um assunto em que apostam, mesmo enfrentando a desconfiança dos chefes e o descrédito dos colegas. Eles não se importam de trabalhar depois de cumpridas as pautas do dia para tocar aquela reportagem que vai lhes render prêmios e reconhecimento nacional e internacional.
Carlos Wagner, do jornal Zero Hora, trabalhou arduamente até desvendar o esquema de aliciamento de meninas do interior do Rio Grande do Sul para as casas de prostituição de Porto Alegre. Publicadas as reportagens, só restou à policia checar as informações e prender os responsáveis pela rede de aliciadores.
Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, só tinham um cartão com o nome e o telefone de um funcionário da Casa Branca encontrado no prédio do edifício Watergate para iniciar a investigação que acabou causando a queda do presidente Richard Nixon.
O jornalismo é para estes repórteres uma missão, uma razão de viver. Por isso, geralmente têm uma vida pessoal instável. Suas mulheres (ou maridos), filhos e parentes estão sempre em segundo lugar. Tanta dedicação à profissão raramente é retribuída pelos chefes com aumentos salariais e estabilidade no emprego. Pelo contrário: muitos são demitidos por não se conformarem com a mediocridade e o servilismo dos editores. Outros tantos se rendem a promoções para cargos de chefia ou boas propostas de assessorias de imprensa, onde passam a ganhar bem mais e trabalhar menos.
Há quem diga que os repórteres puro-sangue são uma espécie em extinção, que já não há lugar para eles nas redações cada vez mais enxutas e pasteurizadas. Não acredito. É impossível haver jornalismo de qualidade sem reportagem investigativa. Mesmo em pequeno número, estes bravos serão sempre indispensáveis. A primavera chegará, ainda que tarde.
Precursor dos repórteres puro-sangue, o norte-americano John Reed nasceu em 1887 em Portland, Oregon, e estudou em Harvard. Depois de formado foi morar em Nova Iorque, onde aproximou dos líderes de grupos de defesa dos direitos civis e dos trabalhadores, que na época lutavam pela jornada de oito horas diárias. Logo que começou a trabalhar como repórter em jornais locais deixou clara sua paixão pelo jornalismo descomprometido.
Cobrindo a greve dos empregados de uma fábrica de tecidos, transformou uma pauta que renderia uma nota de pé de página num libelo contra a exploração e a truculência dos empresários. Acabou preso por seu envolvimento com os grevistas, e em sua cela escreveu uma reportagem sobre as péssimas condições do presídio onde estava. Em 1914 foi ao México para conferir quem era um tal de Pancho Villa, líder de uma rebelião de camponeses. Produziu uma série de reportagens que, publicadas em livro – México Rebelde – o tornaram internacionalmente conhecido como um dos mais importantes jornalistas norte-americanos.
A cobertura da primeira Guerra Mundial, na Europa, solidificou sua ideologia socialista, o pacifismo e o engajamento político. Em 1917 embarcou para a Rússia, onde os bolcheviques tentavam tomar o poder. Tornou-se amigo de Lênin e escreveu “Os 10 Dias que Abalaram o Mundo”, um dos melhores relatos da revolução. Aderiu ao Partido Comunista, mas seu espírito indomável não suportou a ditadura imposta pelos novos donos do poder na União Soviética. Desiludido e amargurado, morreu de tifo, em Moscou, três dias antes de completar 33 anos.
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