domingo, 17 de janeiro de 2010

LUTZ E EU


José Lutzenberger no Rincão Gaia





Apesar de toda a admiração que sempre tive pelo agrônomo e ecologista José Lutzenberger desde o início de sua luta contra os poluidores, em 1970, nossos contatos pessoais - e amizade - só aconteceram mais de vinte anos depois. Como pauteiro da editoria geral de Zero Hora, meu trabalho era ter boas idéias, ler jornais/revistas/releases e atender pessoas que procuravam o jornal para sugerir reportagens e entrevistas.

Até 1990, Lutz era fonte obrigatória sempre que algum assunto relacionado à defesa da natureza estivesse em pauta. Seu nome e telefone constavam nas agendas de quase todos os repórteres, chefes de reportagem e editores dos jornais, rádios e tevês de Porto Alegre.

Sempre ocupado com viagens, palestras e outras atividades relacionadas com a causa que abraçou depois de ter deixado seu emprego na Basf, fazia malabarismos para atender a tantos pedidos de entrevistas feitos por jornalistas do Brasil e do exterior. Sua vida pessoal e profissional ficavam em segundo plano.


A longa lua de mel com a mídia brasileira acabou em 1990, quando o combativo dom Quixote aceitou o convite do presidente Fernando Collor de Mello para ser o Secretário Especial do Meio Ambiente. Fez um trabalho importante para o país, mas naquela época - Lula e o PT ainda não tinham chegado ao poder - aderir ao governo de Collor era pecado mortal, especialmente para intelectuais e artistas.


Ao deixar o cargo em 1992 e voltar para o casarão da rua Jacinto Gomes, em Porto Alegre, projetado e construído por seu pai, o arquiteto, professor e artista plástico alemão Joseph Lutzenberger, os telefones já não tocavam como antes. Pior: quando Lutz ligava para a redação, muitas vezes não havia ninguém para ouví-lo, por "falta de tempo".


As ligações eram passadas para mim, e nossos contatos sempre rendiam boas pautas. Ele gostava de conversar comigo, e pelo menos uma vez por semana batíamos longos papos por telefone. Às vezes não tinha nada em especial. Ligava só para fazer um comentário sobre algo que havia lido ou pensado.


Com o tempo, os diálogos no telefone se tornaram insuficientes e passamos a nos encontrar em bares e restaurantes para jantar e beber chôpe. Foram noites memoráveis para mim, que praticamente só ouvia. Às vezes participavam das conversas alguns bons amigos, como Sebastião Pinheiro. Com a paciência de um professor ou pai, Lutz discorria com a costumeira loquacidade e emoção sobre seus conceitos filosóficos, as vitórias e as derrotas de sua vida desde que decidiu não mais trabalhar para uma indústria de agrotóxicos, a preocupação com a destruição da Amazônia e o futuro do planeta, a descaracterização das cidades pela voracidade das construtoras e o que mais lhe viesse à cabeça.

Anos depois aceitei um convite para visitá-lo no Rincão Gaia, em Pantano Grande, a 125 quilômetros de Porto Alegre, uma pedreira abandonada transformada num pequeno mundo praticamente autosuficiente - no almoço, só a carne e a cerveja eram "importadas". Já anistiado pelos jornalistas, foi um Lutz tranquilo e realizado pelo sucesso de seus empreendimentos - a fábrica de adubos orgânicos produzidos como aproveitamento dos restos de uma fábrica de celulose e a escola ambiental do Gaia - que me recebeu naquele dia ensolarado de outono.
Constatar na prática os resultados dos conceitos ecológicos do mestre e o trabalho de educação ambiental desenvolvido naqueles 30 hectares foi uma experiência inesquecível, relatada numa reportagem de duas páginas em Zero Hora, com fotos de Emílio Pedroso.

Em 2002, Lutz me confessou temer que já não tinha muito tempo de vida. Seus problemas de saúde se agravavam, e os médicos não sabiam ao certo o que fazer. Sugeri à direção da redação do jornal que produzisse uma reportagem especial sobre ele o quanto antes.

O repórter Moisés Mendes foi escalado, e para quebrar o gelo entre os dois combinei uma janta num restaurante especializado em camarões na rua Jerônimo de Ornellas. Um magistral caderno Donna especial revelou a dimensão humana e social deste homem notável, que veio a falecer no dia 14 de maio, poucos dias depois da publicação.


3 comentários:

ANANDA disse...

Muito bom ler teus textos. E adorei o anão-de-jardim-artista-de-rua-também!

beijos

Taddeu Vargas disse...

Os homens, perdidos no meio do bombardeio de informações e afazeres cotidianos da vida moderna, mal tem tempo para avaliar o que de bom trouxe o dia que acabaram de viver, quanto mais buscar lá no tempo passado a preciosa informação que traz para a tela um personagem da estatura do Doutor José Lutzemberger. Só você meu amigo iluminado, para, com sua sensibilidade, atualizar a mente desses pagãos de sentimentos, e reinserir o nome do engenheiro agrônomo visionário e ambientalista entre nós.
Olhando o clima dos últimos meses não há como não pensar no velho Lutz, não é mesmo?
Abraço imenso e muitas paz no coração de vocês, pelo que vejo, em Floripa!

Clovis Heberle disse...

Valeu, Ananda e Taddeu! Vocês são muito amáveis.
Estamos agora de volta ao Imbé, onde vamos sossegar o pito (e enganar o calor com banhos e mais banhos de mar) neste tórrido fevereiro.
Abraços