quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A PRAIA DOS FERLAUTO








José Otávio e Maria Lúcia pregavam e praticavam um estilo de vida despojado, de ter o necessário e dispensar o supérfluo. Faziam pão de farinha integral na casa onde moravam, na rua São Luís, em Porto Alegre, e a comida que alimentava a família e os amigos era feita de vegetais e cereais limpos de venenos, comprados na Cooperativa Coolméia e da feira dos agricultores ecologistas, que o casal frequentava aos sábados.
A casa estava sempre de portas abertas. Era só tocar a campanhia (na porta da frente) ou o sino (no portão do muro lateral) e ir entrando. De tempos em tempos JO enviava pelo Correio convites para festas, em textos criativos e ilustrados, com a recomendação de que o convidado levasse algo para comer ou beber. Nunca faltava comida nem bebida, mesmo que o festerê só acabasse alta madrugada.
Vivia intensamente. Era um ser humano solar, a distribuir afeto e luz a quem teve a felicidade de conviver com ele.
JO não usava cartão de crédito nem talão de cheques. Tentou me ensinar a fazer pão, cultivar bonsais. Tentou me convencer das vantagens de usar dinheiro e fugir das armadilhas do crédito fácil.
José Otávio e Maria Lúcia tinham um sonho: morar na ilha de Santa Catarina. Compraram um terreno e construíram uma casa na praia do Campeche. Os filhos, já crescidos, migraram antes deles e, um a um, se acomodaram no casarão.
Quando os pais tomaram a decisão de também eles se mudar para o Campeche, JO levava na bagagem os exames em que aparecia um tumor no fígado, inexplicavelmente não detectado pelos médicos. Daí para a frente foram dias de paz, sossego e uma relação totalmente amorosa dos Ferlauto, reunidos novamente. As cartas de JO para um agora pequeno grupo de amigos falavam dessa nova fase da vida dele, mas, aos poucos, revelavam que já não lhe restava muito tempo de vida.
Li num relance a carta de despedida, escrita poucos dias antes sua morte, no dia 24 de agosto de 2007. Estava sereno e consciente da partida para uma nova etapa. Dois anos já se passaram, mas ainda não retirei as cartas da caixa de "recuerdos" para relê-las. Por enquanto, prefiro andar pela praia do Campeche e imaginar que a qualquer hora ele pode aparecer entre as dunas, abraçado à sua amada, para mais uma caminhada matinal.



Um comentário:

ANANDA disse...

Também espero. Espero o carteiro chegar, o telefone tocar... o tempo passa, mas o José Otávio ainda está...