quinta-feira, 7 de agosto de 2025

DA LETÔNIA A IJUÍ - A SAGA DOS STERN

Caros amigos, familiares, associados da ACIBM e todos que acompanham com carinho a trajetória do engenheiro e ambientalista Athos Stern,

é com grande alegria que convidamos você a conhecer um novo capítulo da vida e da história de Athos, agora revelado em forma de crônica: “Da Letônia a Ijuí – A Travessia de Meus Antepassados”.

Mais do que engenheiro e professor aposentado da Escola de Engenharia da UFRGS, Athos Stern é uma alma inquieta e comprometida com o bem coletivo. Dedicou sua vida à criação de soluções técnicas, mas também à defesa do meio ambiente e da qualidade de vida em nossa região litorânea, como ativo presidente e associado da Associação Comunitária de Imbé-Braço Morto.

Aos 92 anos, Athos segue ativo: escreve artigos, participa de debates públicos, acompanha as ações da ACIBM e ainda encontra tempo para estar com a esposa, a talentosa escultora Cláudia Hanke Stern, com os filhos, netos e os muitos amigos que cultivou em Porto Alegre, Imbé e Gramado.

Mas poucos conhecem tão bem a origem da família Stern — e é isso que ele nos revela nesta crônica inédita. Uma travessia que começa na distante Riga, capital da Letônia, passa pelos conflitos históricos do Império Russo, e termina com a chegada dos imigrantes germânicos ao noroeste gaúcho, mais precisamente na cidade de Ijuí, onde as tradições e os valores dos chamados “alemães bálticos” encontraram um novo solo para florescer.

A crônica é ricamente ilustrada com fotos tiradas por Athos e sua esposa Cláudia durante uma viagem à Letônia em 2015, onde reviveram, juntos, as raízes ancestrais da família. É uma leitura que une história, emoção, cultura e pertencimento — uma ponte entre continentes e gerações.




Crônica da Família Stern: Da Letônia a Ijuí – A Travessia de Meus Antepassados

Athos Stern


Diz a memória dos meus que tudo começou por volta do ano 1100, quando os primeiros colonizadores alemães chegaram à região de Riga, na atual Letônia. Vieram como parte das grandes movimentações que moldaram o Báltico medieval, trazendo fé, trabalho e saber para uma terra onde germinariam, ao longo dos séculos, comunidades sólidas, influentes e orgulhosas de sua origem germânica.

Entre eles estavam meus antepassados — homens e mulheres que ajudaram a fundar lares, igrejas, escolas e tradições naquela cidade que, com o tempo, se tornaria uma das mais importantes do norte europeu. Falavam o alemão com o sotaque do mar báltico, cultivavam valores de ordem e disciplina, e atravessaram gerações vivendo sob domínios diversos, mas mantendo viva sua identidade.

Porém, a história não se escreve apenas com conquistas. Já no final do século XIX, a Riga que meus ancestrais conheciam começou a mudar. Com o avanço do Império Russo, a cidade passou a receber grande número de imigrantes russos — por volta de 1875, eles já representavam cerca de 75% da população local. Veio a imposição do russo como língua oficial, acompanhada de pressões políticas, administrativas e culturais. O que antes era convivência tornou-se conflito. E, como tantas vezes na história, o deslocamento tornou-se escolha e necessidade.

Diante disso, meus antepassados tomaram uma decisão corajosa: deixar para trás a terra natal e embarcar rumo ao desconhecido — o sul do Brasil. A jornada os trouxe até o Rio Grande do Sul, mais precisamente à região então conhecida como Ijuí Grande, onde encontraram outros imigrantes e um novo pedaço de chão para recomeçar a vida.

Ali, entre campos e matas, reconstruíram o que haviam deixado: trouxeram os costumes, os cantos, as festas, os sabores do Báltico. A herança letã-germânica floresceu junto com o solo vermelho da região. Em Ijuí, não era raro ver desfiles de letões, celebrações comunitárias com trajes típicos e bandeiras que pareciam sussurrar histórias antigas ao vento da pradaria sulista. Até os filhos do meu sobrinho — que foi juiz na cidade — chegaram a desfilar, mantendo viva a tradição que atravessava gerações.

A presença dos letões no sul do Brasil

Embora discretos em número, os letões deixaram marcas profundas no solo gaúcho. Com eles, chegaram práticas agrícolas modernas, forte senso comunitário e um profundo respeito pela educação e pela fé. Eram, em grande parte, luteranos — e foi ao redor das igrejas que se organizaram os primeiros núcleos de convivência.

Criaram escolas, cantavam em corais, construíram casas de madeira com alpendres abertos e valorizavam o trabalho coletivo, como se cada lavoura fosse uma extensão do lar. A cidade de Ijuí, desde o início, foi um verdadeiro mosaico étnico, reunindo italianos, poloneses, suecos, alemães e, claro, letões — que souberam, com firmeza e delicadeza, ocupar seu lugar nesse concerto de culturas.

Hoje, ao recordar essas histórias que ouvi de pai para filho, percebo que muito mais do que migração, trata-se de transmissão de identidade. Não vieram apenas corpos em navios — vieram sonhos, saberes, esperanças. Vieram memórias, algumas que ainda vivem em nomes de rua, em sobrenomes, em sotaques, em receitas passadas com carinho, em tradições que sobrevivem nos detalhes do cotidiano.

Essa é a história da minha família. Mas também é a história de tantas outras — famílias que cruzaram o mar e fizeram do sul do Brasil um novo Báltico de afetos, desafios e raízes

Quem são os "alemães bálticos"?

Os alemães bálticos são um grupo étnico germânico que se estabeleceu, a partir do século XII, nas regiões costeiras do Mar Báltico, principalmente na atual Estônia e Letônia, então territórios controlados por ordens militares como a Ordem Teutônica. Eles formaram por séculos a elite política, cultural e econômica dessas áreas.

Esses alemães eram chamados de:

  • Deutschbalten (alemães bálticos, em alemão);
  • Viviam sob domínio da Rússia czarista, mas com autonomia cultural;
  • Falavam alemão e mantinham forte identidade germânica.

O que aconteceu com eles?

1. Décadas de 1930 e 1940 – expulsões e reassentamentos:

  • Com o Pacto Molotov-Ribbentrop (1939) entre Hitler e Stalin, que dividiu a Europa Oriental em zonas de influência, muitos alemães bálticos foram repatriados forçadamente para o Terceiro Reich;
  • Eles foram reassentados em regiões ocupadas pela Alemanha, como partes da Polônia (ex: Warthegau);
  • Após a guerra, com a derrota da Alemanha nazista, muitos fugiram ou foram expulsos novamente, desta vez dos territórios orientais da Europa, como a SilésiaPrússia Oriental, etc.

Resultado: os alemães bálticos quase desapareceram da região do Báltico após 1945.

E agora? Eles estão voltando?

Nos últimos anos, alguns descendentes de alemães bálticos — especialmente da Alemanha, Áustria e Canadá — têm retornado ao Báltico por motivos variados:

Razões para esse retorno:

1.     Turismo de raízes: muitos visitam cidades como Riga (Letônia) ou Tallinn (Estônia) para conhecer as terras dos antepassados;

2.     Investimentos imobiliários e empresariais: há atração por oportunidades econômicas nos países bálticos, que fazem parte da União Europeia;

3.     Busca por identidade ou reconexão cultural: especialmente entre os mais jovens, há desejo de reviver ou conhecer a cultura germânica local;

4.     Facilidade de migração: os países bálticos pertencem ao espaço Schengen e à UE, e a Alemanha também abriga minorias de origem letã e estoniana, facilitando esses fluxos.

A volta é simbólica ou real?

  • Em grande parte, simbólica. Não se trata de uma “recolonização”, mas de um retorno cultural, afetivo e, às vezes, econômico.
  • Algumas famílias até se estabeleceram de novo na Estônia ou Letônia, mas isso é muito limitado numericamente.

 Curiosidade: influência alemã ainda visível

  • Em cidades como Riga e Tallinn, a arquitetura medieval e hanseática (ligada à Liga Hanseática) ainda carrega forte influência germânica.
  • Muitas palavras no idioma letão ou estoniano têm origem alemã.
  • Até nomes de ruas e igrejas ainda têm raízes do período germânico





Riga, capital da Letônia




Um comentário:

Monika disse...

Muito interessante. Por acaso também estive na Letônia em 2015, com meus pais, para conhecer parentes e visitar o país dos antepassados da minha mãe. Agora entendi de onde vem o "ambientalismo" do Athos!